Lobato Publicitário
Escritor, tradutor, jornalista, pioneiro, homem de ação... são tantas as facetas de Lobato que algumas acabam ganhando pouco destaque e quando são lembradas, causam até certa surpresa. É o caso da sua da sua relação com a propaganda, que vai muito além do perfil de propagador de ideias. Lobato foi, numa época que esta profissão era incipiente, desenhista publicitário, técnico em anúncios, garoto-propaganda, pioneiro no uso da venda de anúncios para divulgar seus livros – isto dentro dos textos, usando de menções de um livro para vender outro, e fora, como anúncios – criou “jingles” e “slogans” e também fez parte da maior companha publicitária do Brasil.
Segundo a professora Paula Renata Camargo de Jesus, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e mestre em Comunicação Social/ Comunicação Científica e Tecnológica pela UMESP, em “Poesia e arte na publicidade de medicamentos: um diálogo imprescindível na história da publicidade brasileira”, trabalho apresentado no Xº Congresso Nacional de História da Mídia, realizado na cidade de Porto Alegre, RS, Monteiro Lobato, sem recursos, precisou recorrer a patrocinadores para custear a publicação do livro “O Sacy Pererê, resultado de um inquérito”, seu primeiro livro, publicado com o pseudônimo Josbem, no início de 1918. O livro chegou ao público com quatro anúncios ilustrados por Voltolino na abertura, vendendo máquinas de escrever Remington, chocolates Lacta, cigarros Castelões, Caza Stolze (artigos fotográficos), além de outras três propagandas no fechamento: Casa Freire (louças e objetos de arte), Chocolate Falchi e Bráulio & Cia (drogaria e perfumaria). Ela cita ainda, que muito provavelmente, este deve ter sido o primeiro merchandising da publicidade brasileira, com produtos sendo oferecidos pelo personagem Sacy Pererê, em situações deliciosamente irreverentes.
Mas a campanha publicitária de maior sucesso que Lobato participou teve início com a junção de sua experiencia como fazendeiro enter 1911-1917 e o movimento sanitarista de Oswaldo Cruz junto com sua amizade de longa data com Candido Fontoura. O movimento sanitarista permitiu um maior conhecimento das moléstias que assolavam o país. Esse movimento sensibilizou várias personalidades para a situação das moléstias endêmicas entre os brasileiros e a falta de saneamento básico existente, entre elas, Monteiro Lobato, que já era famoso à época. Graças ao contato com as pesquisas de Manguinhos, principalmente os trabalhos de Belisário Pena e Arthur Neiva, o levaram a se engajar numa grande campanha pelo saneamento do país, tendo como base a alteração da concepção do Jeca Tatu, nascido no artigo Velha Praga. A convivência com Arthur Neiva, Belisário Pena e outros pesquisadores, bem como a leitura do livro de Pena, “O saneamento do Brasil”, levaram o escritor a rever totalmente sua concepção do caboclo Jeca Tatu. No prefácio da quarta edição de Urupês, ainda em 1918, ele reconheceu: “Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte.”
Monteiro Lobato não parou mais. Indignado com a situação do país, se lançou numa vigorosa campanha jornalística em favor do saneamento, denunciando, sem medir palavras, a realidade nacional, apresentando estatísticas, como os 17 milhões de brasileiros com ancilostomose, três milhões com Chagas e dez milhões com malária. Ele ainda denunciou fraudes nos produtos consumidos pela população, além de ironizar os poucos recursos investidos na saúde pública. A campanha de Lobato acabou forçando o governo a dar atenção ao problema sanitário, começando pela criação de uma campanha de saneamento em São Paulo, sob o comando de Arthur Neiva. O código sanitário foi então remodelado e finalmente transformado em lei. O escritor reuniu seus artigos sobre a questão no livro “O problema vital”.
Mas Lobato queria mais. Considerava imprescindível, mobilizar não apenas as elites, mas alertar e educar toda a população brasileira sobre as consequências da falta de saneamento. Ele escreveu então “Jeca Tatu – a ressurreição”, livro que ficou mais conhecido como “Jeca Tatuzinho”, em 1924. Este livro, de capa dura ilustrado por Kurt Wiese em preto e branco contava a história onde o nosso Jeca era visitado por um médico que o diagnosticava com verminose e lhe ensinava a receita de como fazer um vermifugo com a erva Santa Maria, que nasce no mato. Alem disso o médico mandava o Jeca usar sapatos e tomar um bom purgante. Quando o medico volta dali a um mês o Jeca é um homem novo, curado e revigorado!
De acordo com o escritor e biógrafo de Lobato, Edgard Cavalheiro, em “Vida e Obra de Monteiro Lobato”, o primeiro grande trabalho do escritor como publicitário foi quando ele adaptou seu livro homônimo, tendo Jeca Tatuzinho como protagonista, para a o folheto de propaganda de dois preparados farmacêuticos, o “Biotônico” e a “Ankilostomina Fontoura”. fazendo campanha contra a ancilostomose (amarelão), uma verminose contraída quando entramos em contato com o solo contaminado por fezes. Esses vermes entram através da sola dos pés e chegam à corrente sanguínea e atingem o sistema digestivo, onde se desenvolvem, passando ali a se alimentam de sangue e podendo provocar anemia em casos mais graves.
Na disssertacao de mestrado do professor Evandro Avelino Piccino “Jeca Tatuzinho: um ‘causo’ memorável da história da publicidade brasileira”, para a PUC/SP, disponível no banco de teses aqui do nosso site, o professor relata que o lançamento do panfleto aconteceu em 1926, e se chamou Jeca Tatuzinho. Neste almanaque Lobato basicamente pegou sua historia original do seu livro homônimo e alterou para o medico receitar od produtos do laboratório do seu amigo Cândido Fontoura. Desta vez, o medico após ver o paciente com verminose, fraco, receita Ankilostomina Fontoura como vermifugo e para recuperar as forças, o Biotônico Fontoura. O folheto original é uma publicaçao barata, em papel jornal, com ilustrações em preto e branco feitas pelo Alemao Kurt Wiese que ilustrou o almanaque até 1939 quando foi substituído pelo paulistano Jurandyr Ubirajara Campos, genro de Monteiro Lobato que por sua vez, ilustrou o almanaque entre 1940 e 1957. Jeca Tatuzinho, em seu formato original, foi publicado de 1926 regularmente até 1973. Um ano depois, em 1974, a historia passa a ser editada em quadrinhos, e circulou até o ano de 1988.
Do ponto de vista publicitário, não só a história era uma peça publicitária mas tambem, o folheto continha anúncios do Biotônico e do Ankilostomina Fontoura recomendados pelo médico na história. O almanaque Jeca Tatuzinho é considerado a peça publicitária de maior sucesso na história da propaganda brasileira, inspirando inclusive a agência Castelo Branco e Associados, a criar em 1982, o Prêmio Jeca Tatu numa homenagem "à obra-prima da comunicação persuasiva de caráter educativo, plenamente enquadrada na missão social agregada ao marketing e à propaganda”. De acordo com a publicação “Vendendo Saúde – A História da Propaganda de Medicamentos no Brasil”, publicada pela Anvisa, no portal Gov.br, o Almanaque Fontoura alcançou na década de 1980, a incrível marca de 100 milhões de exemplares distribuídos.
Monteiro Lobato não apenas redigiu, mas chegou também a ilustrar anúncios do Biotônico Fontoura, além de acompanhar o amigo no lançamento e na sustentação do Almanaque do medicamento, protagonizado pelo personagem Jeca Tatu, que passou a ser chamado Jeca Tatuzinho.
Em artigo de Julho de 2020, no portal "SP in Foco”, o jornalista Abrahão Oliveira afirma que o nome do medicamento, seria uma homenagem ao seu criador, o farmacêutico Cândido Fontoura Silveira, que teria criado uma fórmula rica em ferro para a sua esposa, que sofria com muito cansaço e tinha o físico debilitado. Com os bons resultados do seu tônico, ele decidiu então fundar em São Paulo, em 1910, aos 25 anos de idade, uma fábrica/farmácia para produzir seu tônico em escala comercial. Essa era uma prática normal no início do século 20. Ainda de acordo com a publicação, Cândido não conseguia pensar em um bom nome comercial para o medicamento e aí entra a figura de José Bento Monteiro Lobato, acostumado a usar técnicas publicitárias em seus livros e que teria então sugerido o nome de “Biotônico Fontoura”. Essa informação porém, não é confirmada pelo fabricante em seu site oficial, que apresenta apenas um breve resumo histórico, citando Monteiro Lobato como padrinho de peso da marca e criador do “Almanaque Fontoura”.
Em nossas pesquisas não encontramos referências à remuneração ou não desse trabalho, e se tivesse ocorrido, de que modo teria sido essa remuneração? O artigo “Estudos Mediáticos da Publicidade Infantil: Proposta de análise do discurso publicitário na interface com o discurso literário”, publicado na revista Pensamento & Realidade da PUC, das professoras Lívia Silva de Souza e Cinira Baader, cita que a diferença entre Monteiro Lobato e outros escritores e poetas que redigiram propagandas na época, é o fato de que ele fazia isso gratuitamente, como uma simples troca de favores, sem maiores detalhes. Embora isso classifique o personagem Jeca Tatuzinho como atividade publicitária não profissional, a obra ainda hoje é uma referência da redação publicitária brasileira, sendo o Jeca Tatuzinho, o mais longo texto publicitário escrito em forma de história de ficção no Brasil.
Além do Biotônico Fontoura, o publicitário Monteiro Lobato também contribuiu com ideias publicitárias para a editora que levava o seu nome, bem como com a “Revista do Brasil”, fundada por ele, e que se tornou um importante veículo de propaganda para o escritor. Lobato uniu o seu talento publicitário com a sua veia jornalística, para fazer a propaganda comercial da sua companhia de petróleo. Fundou ainda um jornalzinho-revista chamado “Coisas Nossas”, que ajudou a tornar mais fácil a penetração no mercado, das coisas que ele vendia, ressaltando a sua veia estratégica para os negócios.
É interessante registrar que a fórmula original do Biotônico Fontoura possuía 9,5% de álcool etílico, o que levou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a obrigar a empresa a modificar a fórmula do medicamento em 2001. A revista Veja SP, no artigo “Dez curiosidades sobre o Biotônico Fontoura”, relata que o medicamento foi exportado em grande quantidade para os Estados Unidos, durante a Lei entre os anos de 1920 e 1933. Por ser um remédio, apesar do seu teor alcoólico, a sua venda nos Estados Unidos foi permitida.
O artigo “Lobato Publicitário” publicado pelo site Almanaque Urupês, ainda nos revela que como publicitário, Lobato também vivenciou o papel de ‘garoto propaganda’ no modelo testemunhal, tão comum nos dias de hoje, atestando a qualidade de produtos para empresas de propaganda, como o fac-símile de um anúncio sobre máquina de escrever.
Uma pesquisa mais aprofundada sobre a vida do escritor, nos revela o seu olhar inovador na área da publicidade no Brasil. É fácil perceber que é a partir de Lobato que a propaganda começa a se desenvolver no país. Indiscutivelmente Monteiro Lobato era dono de um talento ímpar e possuía um processo criativo ilimitado. Lobato soube, como poucos, percorrer os mais diferentes caminhos ao longo de sua vida. Pesquisar esse universo lobatiano, é mergulhar num mar de infinitas possibilidades e que nos desperta um desejo imenso de ir cada vez mais fundo.
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REFERÊNCIAS
almanaqueurupes.com.br/index.php/2013/04/18/lobato-publicitario/
http://almanaqueurupes.com.br/index.php/2013/09/10/o-caipira-de-rui-barbosa/
https://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/43279/46902
colecionadordesacis.com.br/2018/01/24/monteiro-lobato-jeca-tatuzinho-1925/
https://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/7560/5500
http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2009_2010/pdf/2010/021.pdf
http://www.poeteiro.com/2019/09/lobato-publicitario-resenha.html
zolerzoler.wordpress.com/2019/03/14/monteiro-lobato-na-publicidade-biotonico-fontoura/
https://www.encontro2018.sp.anpuh.org/resources/anais/8/1525294469_ARQUIVO_eventoampuh.pdf
https://vejasp.abril.com.br/coluna/memoria/dez-curiosidades-sobre-o-biotonico-fontoura/
https://www.biotonicofontoura.com.br/historia-da-marca
http://memoria.bn.br/pdf/102725/per102725_1948_00004-00005.pdf
https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/165/161