Manda chamar o Brecheret! Por Antonio Silvio Lefèvre

Manda chamar o Brecheret! Por Antonio Silvio Lefèvre

MANDA CHAMAR O BRECHERET!

ANTONIO SILVIO LEFÈVRE

Sobre a primeira e até agora inédita escultura de Monteiro Lobato

Era um tranquilo domingo, 4 de julho de 1948, quando, ligando o rádio pela manhã, meu pai, o médico Antonio Branco Lefèvre, ouve a notícia que menos desejaria ouvir:  a de que seu amigo e também paciente, o escritor Monteiro Lobato, havia falecido naquela madrugada.

Sim, embora meu pai fosse um neuropediatra, havia sido chamado algumas vezes para examinar Lobato juntamente com outros médicos pois, há alguns anos já, seu quadro de saúde era complexo e tinha componentes neurológicos, tanto que acabou morrendo de um derrame cerebral.

Indo direto para o velório, que foi instalado na Biblioteca Municipal de São Paulo, lá encontrou grande número de amigos próximos seus e de Lobato, como Caio Prado Junior, o dono da Editora Brasiliense, que editara as obras completas de Lobato, toda a turma da revista Clima… Antonio Cândido, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Sales Gomes, Alfredo Mesquita, Lourival Gomes Machado.  E também o casal Tatiana Belinky e Julio Gouveia que mais tarde lançariam o Sítio do Picapau Amarelo na TV e muitos outros.  Entre eles Artur Neves, que havia sido sócio de Lobato nas suas primeiras iniciativas como editor, além de escritor.

E enquanto vários dos presentes discursavam enaltecendo o legado de Lobato e lamentando sua morte, de repente alguém observou que, por mais famoso que já fosse o escritor, era estranho que não  houvesse estátua ou busto dele em lugar nenhum.  Foi quando Artur Neves, impressionado com a lembrança, exclamou: “Manda chamar já o Brecheret!”.

Aquele que já era o mais famoso escultor brasileiro de então e que depois se tornaria “imortal” com o Monumento aos Bandeirantes no Parque do Ibirapuera, em São Paulo (apelidado jocosamente de “não me empurra…”), apareceu pouco depois no velório e com muita destreza e rapidez, para não perturbar a cerimônia, aplicou  uma massa no rosto do falecido e tirou dele um molde. Que alguns dias depois se transformou num busto ou máscara mortuária em bronze, a primeira escultura de Monteiro Lobato, criada no dia da sua morte.

Confiada por Brecheret a Artur Neves, em homenagem à sua amizade com Lobato, esta obra histórica  está hoje sob a guarda da filha de Artur, Marcia Neves Bodanzky, esposa do cineasta Jorge Bodanzky, não por coincidência meu mais velho amigo.

Sim, pois as coincidências não faltam neste universo lobatiano, já que, em minha geração, somos todos “filhos de Lobato”, como tão bem descreve o meu também amigo José Roberto Whitaker Penteado, ex Presidente da ESPM, em seu livro com esse título.

Todos os presentes naquele velório e pelo menos a geração seguinte, da qual eu faço parte, tiveram forte ligação com Lobato e sua obra. Dois anos depois, em 1950, Artur Neves foi o produtor e roteirista de um filme pioneiro baseado no livro de Lobato “O Saci”, pequena obra-prima que lançou Alex Viani, Nelson Pereira dos Santos e tantos outros jovens no âmbito do cinema. Com trilha musical do Cláudio Santoro, fotografia de Ruy Santos e por aí vai. E a produtora deste filme foi a Cinematográfica Maristela, inaugurada neste ano e  cujo sócio e presidente era meu avô materno, Benjamin Fineberg.

E seis anos depois, em 1954, eis que Tatiana Belinky, que iniciara o Sítio do Picapau Amarelo na TV Tupi, escolhe este articulista, filho do amigo Lefèvre, para interpretar o Pedrinho na série. Sim, porque não havia artistas crianças disponíveis naquela época e o casal  ia escolhendo seus protagonistas entre os filhos dos amigos que eram treinados no TESP (Teatro Escola São Paulo) que haviam criado com esta finalidade em 1949, exatamente um ano após a morte de Lobato.  Só para o personagem da boneca Emília é que não foi possível encontrar um intérprete infantil, tão difícil era o papel…  e assim ele foi confiado a uma profissional de teatro que fez história na TV de então, Lucia Lambertini.

Em julho de 2018, 70 anos depois do falecimento de Lobato, sua obra entrou em domínio público e deve ser reeditada e divulgada por várias editoras, na esperança de que novas gerações venham a apreciá-la, como a minha.  Assim, 2019 tem tudo para ser um “Ano Lobato”.

Neste contexto me ocorreu faria todo sentido que este busto inédito de Lobato por Brecheret estivesse exposto num museu ou local público importante, onde todos pudessem apreciá-lo.  Imaginei-o, por exemplo, no hall de entrada do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, que está sendo reconstruído.  Pois muito embora o acervo deste museu seja em grande parte digital, se há algo que mereceria estar lá fisicamente, em bronze, é justamente este grande escritor brasileiro do século XX que foi Monteiro Lobato.

Em tempo: neste “Ano Lobato” devemos uma homenagem especial a minha querida diretora Tatiana Belinky, cujo centenário de nascimento comemoramos  em março último. E eu, pessoalmente, cada vez que penso nela me lembro, saudoso, do seu filho André Belinky de Gouveia, grande amigo meu na adolescência e que foi também ator, como eu, tendo morrido muito jovem num acidente de moto na França. Um “filho de Lobato” a menos na nossa geração.