Lobato no Cinema

Lobato no Cinema

Apesar de ficar popularmente conhecido através das histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, reproduzidas cinco vezes na televisão brasileira, esse grande sucesso de Monteiro Lobato jamais chegou ao cinema. Na telona, com exceção do filme O Sacy, as obras do escritor, adaptadas para o cinema foram voltadas para o público adulto e a maioria baseada no livro Urupês escrito por ele em 1918, reunindo contos e textos publicados anteriormente como Velha Praga e o homônimo, que deu nome à coletânea.

Na esteira do sucesso desse clássico da literatura brasileira que deixou Lobato famoso, logo veio a primeira adaptação para o cinema nacional através do filme “Os Faroleiros”, inspirado no conto homônimo que compõe o livro Urupês. A produção estreou no dia 11 de março de 1920, senda exibida nas duas salas do cine Central e simultaneamente no cine Royal, em São Paulo, antes de partir pelo interior do estado. O sucesso foi tamanho, que ainda durante a sua exibição na capital, rendeu um artigo grande, escrito pelo jornalista Lélis Vieira, na primeira página no jornal Correio Paulistano. Essa primeira adaptação de uma história escrita por Monteiro Lobato para o cinema, foi produzida pela empresa Romeiros do progresso, e o filme dirigido por Miguel Milano e Antonio Leite, contou inclusive com a assessoria do próprio escritor na adaptação.

O filme, um drama mudo dividido em sete partes, conta a história de uma tragédia ocorrida em um farol, onde o faroleiro relata para seu novo ajudante, que havia matado seu antecessor, que segundo ele, havia enlouquecido, agindo em legítima defesa. Porém, ao deixar o farol, esse homem descobre que na verdade o crime cometido pelo faroleiro havia sido passional, pois o ajudante assassinado havia fugido com a sua esposa. Por obra do azar, sem saber, o homem havia justamente ido trabalhar com o ex-marido.

Praticamente não há informações consistentes sobre a produção, mas sabemos que João Beloise, Antônio Campos, Crispin e Manuel Araújo atuaram neste filme. Há inclusive certa incoerência nos relatos sobre a satisfação ou não de Monteiro Lobato com o filme. Enquanto no ebook “Nova história do cinema brasileiro – volume 1”, organizado por Fernão Pessoa Ramos e Sheila Schvarzman, pelas edições Sesc, há um registro afirmando que o jornal Correio Paulistano registrou a visita de Lobato ao ateliê cinematográfico e teve a melhor impressão possível com o filme já concluído, o cineasta Valêncio Xavier, em um texto escrito para o jornal Folha de São Paulo, em janeiro de 2000, afirma que o resultado não agradou em nada ao escritor. No site da Cinemateca Brasileira, maior acervo de filmes da América do Sul e membro pioneiro da Federação Internacional de Arquivo de Filmes – FIAF, ao se pesquisar sobre o filme, a informação que se tem é de que o mesmo está desaparecido. Infelizmente, ao fechamento deste texto, o site da Cinemateca Brasileira estava for a do ar, passando por um processo de renovação. Para quem tiver curiosidade de pesquisar sobre esse ou outros títulos, o site da Cinemateca é: https://www.cinemateca.org.br/

Com base nas informações encontradas exclusivamente também no acervo do site da Cinemateca Brasileira, o conto Bocatorta, o segundo conto do livro Urupês, chegou a ser adaptado para o cinema em 1924, com a produção de um longa-metragem mudo acontecendo na cidade de Campinas, no interior de São Paulo. O conto narra a história de um personagem monstruoso (o Bocatorta), que mora de favor em uma fazenda na zona rural paulista e desperta a curiosidade das pessoas em conhecer o personagem deformado que dá nome à história. Entre os mais curiosos está Eduardo, moço da cidade, noivo de Cristina, a filha do fazendeiro. por insistência do noivo eles conhecem o pobre infeliz, o que acaba desencadeando na jovem uma doença, sua morte e ainda outras consequências trágicas.

Praticamente sem qualquer outra informação disponível, a não ser aquelas que encontramos no site da Cinemateca Brasileira, tudo o que pudemos apurar em nossas pesquisas, é que o filme que seria produzido pela Apa Film, com roteiro e direção de Felipe Ricci, acabou sendo interrompido na fase de produção. O que nos deixa a beira da convicção de que Bocatorta não chegou às telas, é o fato de todas as citações que encontramos, em relação as adaptações das obras de Monteiro Lobato para o cinema, afirmarem que após Os Faroleiros, uma outra adaptação da obra lobatiana só chegou aos cinemas trinta anos depois.

Isso aconteceu em setembro de 1951, com a estréia de O Comprador de Fazendas, uma comédia baseada na livre adaptação do conto homônimo, integrante também do livro Urupês. Lançado após a morte do escritor que faleceu em 1948, a película traz algumas diferenças em relação ao conto escrito por Lobato, embora mantenha a estrutura narrativa e tenha um desfecho final diferente.

Com roteiro de Mário del Rio, Guilherme de Figueiredo e Miroel Silveira, além da direção do italiano Alberto Pieralisi, o filme, com 96 minutos de duração, conta a história de um fazendeiro que ao tentar negociar sua fazenda já decadente, hospeda um possível comprador, realizando inúmeras despesas com ele, que parte para a cidade prometendo voltar para fechar negócio. Ele não cumpre o prometido e o fazendeiro resolve então investiga-lo, descobrindo que se tratava de um vigarista acostumado a se passar por comprador de fazendas para usufruir de bons momentos. Porém o rapaz havia se apaixonado pela filha do fazendeiro. Tempos mais tarde ele ganha na loteria e decide retornar para comprar a fazenda e se casar com a moça. Porém ele é recebido pelo fazendeiro com uma surra de rabo de tatu! O pobre rapaz não consegue nem fechar negócio com a fazenda e nem casar com a jovem.

Sucesso de crítica e público, o filme produzido pela Companhia Cinematográfica Maristela e rodado em São Paulo, é considerado a adaptação mais famosa de Monteiro Lobato para o cinema. A história foi protagonizada pelo ator Procópio Ferreira e pela atriz Henriette Morineau, grandes estrelas do cinema nacional da época. O desempenho da dupla como marido e mulher, rendeu a Procópio o “Prêmio Revista A Cena Muda” de melhor ator do ano por esse trabalho. A música "Festa no Arraiá” foi composta especialmente para o filme e executada pelo autor, o rei do baião, Luiz Gonzaga. Essa adaptação também foi reconhecida como melhor filme nacional daquele ano, pela Associação Brasileira de Críticos Cinematográficos. Vinte três anos depois, em 1974, uma nova versão desse conto foi filmada pelo mesmo diretor, tendo o ator Agildo Ribeiro no papel do vigarista e Eliana Martins como a filha do fazendeiro. A segunda versão dessa adaptação pode ser assistida neste link: https://youtu.be/I-bSXtwHZeQ

O ultimo filme longa-metragem baseado na obra de Lobato e considerada a primeira produção infantil importante do cinema brasileiro, estreou na telona, dia 10 de setembro de 1953, o filme “O Saci”. A ideia de adaptar o livro (escrito em 1921) surgiu no retorno do cineasta, roteirista e produtor Rodolfo Nanni, de uma viagem a Paris para estudos sobre cinema. Porém para tirar a ideia do papel, ele precisou de autorização da editora Brasiliense, que detinha os direitos sobre os livros do escritor após a sua morte. O roteiro foi escrito inicialmente por Arthur Neves e finalizado por Nanni. As gravações aconteceram em Ribeirão Bonito, uma cidadezinha cheia de sítios, próxima a São Carlos, no interior paulista, onde toda equipe de produção e atores foi muito bem recebida pela população. O prefeito da época, inclusive, emprestou um galpão abandonado onde um estúdio foi montado com móveis antigos doados pelos próprios moradores da cidade, para compor a cenografia das cenas passadas no interior da casa do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Na história, Pedrinho tenta capturar um Saci em uma garrafa, seguindo as instruções do Tio Barnabé. Depois de capturado, o Saci é libertado para ajudar o menino a desfazer uma bruxaria que a Cuca jogou em Narizinho, transformando-a em pedra. Como todos sabemos, no Sítio vivem ainda Dona Benta, Tia Nastácia, Emília e outros personagens que ainda hoje encantam crianças e adultos.

Fizeram parte do elenco: Paulo Matozinho (Saci); Lívio Nanni (Pedrinho); Aristéia Paula Souza (Narizinho); Olga Maria (Emília); Maria Rosa Moreira Ribeiro (dona Benta);Benedita Rodrigues (Tia Nastácia); Otávio de Araújo (Tio Barnabé); M. Meneghelli (Cuca); Yara Trexler (Yara) e diversos meninos de Ribeirão Bonito que fizeram o papel da “sacizada”.

O filme foi um enorme sucesso comercial, ajudando a popularizar ainda mais a obra do escritor entre crianças e adultos, especialmente entre os analfabetos, que na época eram em grande número no Brasil. No ano seguinte ao seu lançamento, a produção ganhou o “Prêmio Saci”, entregue aos melhores filmes brasileiros da década de 1950 e em 1953, também conquistou o “Prêmio Governador do Estado”. Naquele  mesmo ano Arthur Neves e Hugo Nanni receberam o “Prêmio O Índio”, da revista Jornal Cinema, na categoria Melhor Produtor, e Claudio Santoro, responsável pela trilha sonora da produção, foi premiado como Melhor Compositor. Até hoje esse filme é bem lembrado e teve uma segunda estreia no seu 60º aniversário, em 2013, na última edição do Amazonas Film Festival, festival de cinema realizado na cidade de Manaus, no estado do Amazonas. Graças a tecnologia, o filme pode ser assistido online, neste link: https://youtu.be/oB-o0TlnSac

Seis anos depois do sucesso de O Saci, uma das figuras mais emblemáticas do cinema brasileiro, o ator e produtor Amácio Mazzaropi, o "caipira" que curiosamente também cresceu em Taubaté, deu vida no cinema ao icônico personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato e tema do filme homônimo, lançado em 1959. Com roteiro e direção de Milton Amaral, esse longa-metragem é uma derivação do texto Jeca Tatuzinho, criado por Monteiro Lobato. Nele, Mazzaropi faz o papel principal, interpretando o caipira Jeca, que começa como um preguiçoso chefe de família no interior de São Paulo e termina como coronel. Ele perde seus bens por conta de intrigas armadas pelo capataz de uma fazenda vizinha, cujo filho do proprietário namora a filha do caipira. Auxiliado por um político demagogo da cidade, o caipira recupera seus bens, desmascara o capataz e enriquece. Considerado um clássico do cinema nacional, o filme, que é uma declarada homenagem de Mazzaropi ao conterrâneo Monteiro Lobato, teve em seu elenco, além próprio Mazzaropi, Geny Prado, Nicolau Guzzardi, Marlene França, Roberto Duval, Lana Bittencourt, Agnaldo Rayol, Francisco de Souza, Miriam Rony, Nena Viana, Pirolito, Celly Campello e Tony Campello.

A comédia Jeca Tatu é um filme em preto e branco, com 95 minutos, que hoje pode ser vista também no YouTube neste link: https://youtu.be/O07_cmzLvok

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REFERÊNCIAS

“Os Faroleiros”:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/21/mais!/33.html

https://books.google.com.br/books?id=xLZwDwAAQBAJ&pg=PT296&lpg=PT296&dq=todos+filmes+exibidos+no+brasil+1920+os+faroleiros&source=bl&ots=nQY91gV8aM&sig=ACfU3U0gBkMI1Su3OlPFzat_2gmiFv3E8Q&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjaruH755n8AhWBNrkGHTb8Cd84ChDoAXoECBcQAw#v=onepage&q&f=false

“O comprador de fazendas”

https://www.planocritico.com/critica-o-comprador-de-fazendas-1951/

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Comprador_de_Fazendas

ebook: “O rural no cinema brasileiro” Célia Aparecida Ferreira Tolentino, pela editora Unesp

“O Saci”

https://almanaqueurupes.com.br/index.php/2016/10/31/o-saci-que-levou-o-sitio-para-as-telas/

https://www.wikiwand.com/pt/O_Saci_(filme)

“Jeca Tatu”

https://www.bbc.com/portuguese/geral-60994928

https://museumazzaropi.org.br/personagens/jeca-tatu/

Outras fontes:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/21/mais!/33.html

https://www.bbc.com/portuguese/geral-60994928

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/40-anos-sem-mazzaropi-7-filmes-do-jeca-para-assistir-online-e-de-graca-59189

https://www.epedagogia.com.br/materialbibliotecaonine/2529Prefacios-e-Entrevistas.pdf