Urupês, o livro que chacoalhou a literatura brasileira
Definitivamente a publicação do livro “Urupês", em 1918, o primeiro de Monteiro
Lobato, foi primordial para a explosão de sua fama e para o seu reconhecimento junto aos
intelectuais e personalidades mais importantes do Brasil naquela época, sucesso que ainda
hoje repercute entre leitores das mais variadas classes sociais.
Nessa coletânea de contos, considerada sua obra-prima, o escritor inaugura na
literatura brasileira um regionalismo crítico e mais realista do que o praticado durante
o romantismo, no período anterior. É nesse livro que Lobato presenteia seus leitores, com
um dos mais icônicos personagens da literatura brasileira; o Jeca Tatu, o “sombrio urupê de
pau podre, a modorrar silencioso no recesso das grotas”. Esse típico caipira da época,
marcado pela pobreza, pelo marasmo, pela verminose, e pelo alcoolismo que o tornavam
incapaz de praticar a agricultura até para a sua própria subsistência, já havia aparecido em
um texto escrito por Lobato e publicado no jornal O Estado de São Paulo, intitulado "Uma
Velha Praga” onde o escritor denunciava o antigo costume, ecológica e economicamente
desastroso do caipira de tocar fogo no mato para não ter que trabalhar na limpeza da terra.
Na verdade “Urupês" o livro, tem sua origem numa sequência de fatos que
começou com a morte do avô de Lobato, o visconde de Tremembé, em março de 1911.
Após a morte do avô, Lobato já casado, herda a fazenda São José do Buquira e se muda
com a família para a propriedade, onde passa a viver a experiência de fazendeiro. Lobato
tinha planos para transformar a fazenda em um negócio rentável e assim investiu em
projetos agrícolas audaciosos, importando maquinas e pensando em modernizar tudo. Sua
esposa, Purezinha até tratava da saúde dos caboclos com Homeopatia, na época
considerada como "medicina de ponta”. Porém, três anos depois, em 1914, explodiu a
primeira guerra mundial na Europa e o escritor começa a sentir os efeitos daquele momento
com o empreendimento não rendendo o esperado.
Para piorar a situação, naquele mesmo ano, temos um inverno extremamente seco e
Lobato sofre com as constantes queimadas praticadas pelos caboclos da região do Vale do
Paraíba. Indignado com a situação, ele resolve escrever uma carta para a seção de queixas
e reclamações do jornal O Estado de São Paulo, intitulada “Uma Velha Praga”. O contexto
e a narrativa da carta descreve de maneira arrasadora aquela situação, os animais mortos e
o aponta como sendo culpados os caboclos Manoel Peroba, Chico Marimbondo e o Jeca
Tatu (nomes genéricos que o escritor usou para ilustrar o “culpado”), O artigo chamou a
atenção dos editores do diário, que decidiram então publicar a carta como um artigo, fora da
seção pretendida inicialmente, 12 de novembro no dia de 1914.
Esse texto gerou enorme impacto e polêmica junto aos leitores, transformando o
escritor numa figura notável publicamente pela postura crítica ao comportamento predador
do caipira brasileiro, rompendo com a tradição que se mantinha de se romantizar a vida
rural, tão arraigada na cultura da época. A fim de levar adiante o debate sobre a
depredação do meio-ambiente e a atitude predatória do caipira paulista, Lobato escreve
"Urupês”, outro texto contundente, também publicado no jornal O Estado de São Paulo,
no dia 23 de dezembro do mesmo ano (1914), pouco mais de um mês após "Uma Velha
Praga”.
Se no artigo inicial Lobato denunciou as queimadas como um modo fácil e prejudicial
de limpar a terra a ser lavrada, em "Urupês", ele usa a imagem do caboclo parasita
para caracterizar a indolência, a preguiça e a falta de iniciativa da população agrícola, sem
instrução, especialmente nas regiões decadentes após o apogeu do cultivo do café do Vale
do Paraiba. Na esteira do sucesso de sua primeira abordagem sobre o tema, neste segundo
texto Lobato investe com mais segurança na definição do personagem que caracteriza o
caboclo, na sua visão, o responsável por muitos dos males da agricultura brasileira daquele
período.
Apesar da frustração pessoal, a experiência na fazenda São José do Buquira acabou
sendo decisiva para o nascimento dos artigos “Uma Velha Praga”, e em seguida “Urupês”
e na sequência, a publicação desses textos no jornal O Estado de S. Paulo, foi decisiva para
a entrada de Monteiro Lobato no grupo de colaboradores do jornal e tambem pelo seu
reconhecimento público como figura intelectual de peso após a publicação do seu livro mais
famoso “Urupês”.
Em 1917 Lobato decide vender a fazenda e após uma breve passagem por
Caçapava, onde funda a revista Parahyba, se muda com a família para a capital paulista,
para uma casa alugada na rua Formosa. O escritor compra então a Revista do Brasil com o
dinheiro da venda da fazenda do Buquira.
De acordo com Edgard Cavalheiro, amigo e biógrafo de Lobato, foi o jornalista
Plínio Barreto, do jornal O Estado de S. Paulo, que sugeriu ao escritor a publicação de um
livro reunindo esses contos e crônicas que ele costumava escrever. Lobato se convenceu da
idéia e chegou a cogitar intitular o livro de “Doze mortes trágicas”, pelo fato da maioria dos
contos selecionados para a publicação, terminar de forma trágica, porém acabou optando
por chamá-lo de “Urupês”, título do conto que fecharia o volume.
E foi assim, que alguns meses depois, em 1918, com capa de José Washington
Rodrigues, quatorze contos originalmente e ilustrações do próprio Monteiro Lobato, que a
primeira edição de "Urupês" chegava as livrarias, com mil exemplares, pelos cálculos do
autor, quantidade suficiente para com sorte, ser vendida em cinco anos. Porém para
surpresa geral, a primeira edição foi toda vendida no primeiro mês! Curiosidade: Nesta
primeira edição temos somente o conto "Urupês", Monteiro Lobato só inclui o conto “Uma
Velha Praga" a partir da segunda edição. O sucesso do livro foi tão grande que no mesmo
ano "Urupês" teve mais duas edições no mesmo ano.
O sucesso de “Urupês" já era uma realidade quando, no ano seguinte, Rui Barbosa,
candidato a presidente da República, durante a acirrada campanha eleitoral da época,
perguntou em meio a uma de suas reuniões públicas, realizada no Teatro Lírico do Rio de
Janeiro, se o país conhecia “aquele tipo de raça, que, entre as formadoras da nossa
nacionalidade, que se perpetua a vegetar de cócoras, incapaz de evolução e impenetrável
ao progresso” citando o personagem criado por Lobato. Isso assegurou à "Urupês" um lugar
no panteão de best-seller absoluto com suas histórias transformadas em filmes e traduzidas
para diversos idiomas.
Em 1º de maio, 1919 Lobato escreveu ao seu amigo Rangel: “O discurso de Rui foi
um pé de vento que deu nos Urupês. Não ficou um para remédio dos 7 mil! Estou
apressando a 4ª edição que irá do 8º ao 12º milheiro. Tiro-as, agora, aos 4 mil. E isto antes
de um ano, hein? O livro assanhou a taba — e agora, com o discurso do Cacique-mor, vai
subir que nem foguete”. Não apenas Rui Barbosa, mas inúmeras personalidades da época
passaram a exaltar o talento de Lobato, personalidades como Agripino Grieco, Alceu
Amoroso Lima, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, apenas para citar algumas. Sem
rodeios, nem medo de errar, Gilberto Freyre foi enfático em afirmar que identificou em
"Urupês" um fenômeno sem precedentes, enxergando na obra um ponto de partida, um
caminho aberto aos que viriam depois. “Mário e Oswald de Andrade, José Américo, Amando
Fontes, Lúcio Cardoso, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Luiz Jardim e
vários outros, ao aparecerem, encontraram o sulco de Lobato” declarou ele.
Já consolidado como escritor e editor, Lobato lançou em 1921 uma versão popular do
seu livro, vendido a um terço do preço da obra original, com o objetivo de torná-la acessível
a mais leitores. Esse foi o primeiro título da Coleção Brasília, que em sua sétima edição
bateu a marca dos 21 mil exemplares!
É com este legado, que "Urupês" mantém há décadas um estreito diálogo com temas
contemporâneos como a preservação ambiental, a saúde pública e a identidade nacional.
Uma obra viva, provocativa, pulsante, que mesmo centenária se mantém atual.
Qualquer semelhança com a situação das queimadas e dos habitantes do interior do
Brasil dos dias de hoje só pode ser mera coincidência…
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Referências:
https://www.unicamp.br/unicamp_hoje/ju/abril2002/unihoje_ju173lobato_pag07.html
https://www.overdadeirositiodopicapau.com.br/monteiro-lobato/
http://www2.assis.unesp.br/cilbelc/jornal/maio07/content24.html
http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/urupes.html
http://www.nilc.icmc.usp.br/nilc/literatura/urup.s1.htm
https://escritoradesucesso.com.br/resumo-da-obra-urupes-%E2%94%80-contexto-
historicoanalise-e-personagens/ https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumos-de-
livros/urupes.htm http://oficinafu.blogspot.com/2018/06/urupes-100-anos.html
https://www.coladaweb.com/resumos/urupes-monteiro-lobato
introdução do livro Urupês da Editora Globo