Lobato e a democracia
Todos nós brasileiros falamos em DEMOCRACIA. Mas será mesmo que sabemos o seu significado, entendemos e respeitamos o seu real conceito?
Democracia não se resume apenas a eleições, ao direito ao voto, afinal em ditaduras também ocorrem eleições, assim como havia no Brasil durante o regime militar, na Russia e até mesmo em regimes totalitários como a Coréia do Norte. Nesses regimes, as eleições ajudam a dar uma máscara democrática e de legitimidade, mesmo que elas não sejam livres e nem competitivas. Democracia também não se resume apenas ao poder da maioria no momento de alguma escolha, muito menos ao simplório conceito de “governo do povo”.
Fato é que o conceito de democracia precisa observar uma série de aspectos. Em linhas gerais, podemos conceituá-la como o exercício do poder político por parte do povo, e o exercício da cidadania – direitos e deveres civis políticos e sociais previstos pela constituição federal.
É importante lembrarmos, que de acordo com o artigo primeiro da nossa Carta Magna, o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Mas será que todos nós sabemos o que isso significa? O Estado Democrático de Direito pode ser definido pela soberania popular, por uma Constituição elaborada conforme a vontade do povo, por eleições livres e periódicas, por um sistema de garantia dos direitos humanos e pela divisão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – independentes e harmônicos entre si – fiscalizados mutuamente.
Durante toda a sua vida, Monteiro Lobato foi um grande defensor do Estado Democrático de Direito e da democracia brasileira. Certamente, seria uma das principais vozes a se levantar contra o triste episódio que assistimos no último dia 8 de janeiro, que atentou não apenas contra os três poderes democraticamente constituídos, mas contra a nossa democracia e a soberania nacional.
Infelizmente o desrespeito a democracia é algo que volta e meia assombra o nosso país. Foi assim com Julio Prestes, o único presidente eleito impedido de assumir na história do Brasil. Prestes ganhou a eleição para presidência da República em 1930, com o apoio de 17 dos 20 estados brasileiros, em uma disputa bastante acirrada e cercada de acusações de fraudes por ambos os lados. Ele teve pouco mais de um milhão de votos, cerca de 300 mil a mais do que Getúlio Vargas, seu adversário. Após sua vitória, Prestes viajou ao exterior, sendo recebido como presidente eleito em Paris, Londres, Washington e Nova Iorque, onde Monteiro Lobato (adido comercial à época) e a comitiva do presidente eleito, foram recebidos pelo presidente estadunidense Herbert Hoover.
Mas aqui no Brasil, governantes que apoiaram o candidato derrotado, inconformados com o resultado das eleições, criaram a chamada ‘Aliança Liberal’, um movimento armado, liderado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. No dia 26 de julho, João Pessoa, candidato derrotado à vice-presidência na chapa com Getúlio Vargas é assassinado, fato que acaba acelerando os preparativos para um golpe antidemocrático. Alçado à condição de mártir, João Pessoa foi enterrado no Rio de Janeiro e seu funeral provocou grande comoção popular, levando setores do Exército a apoiar a ideia do golpe de 1930.
Sob a liderança do golpista Getúlio Vargas e do tenente-coronel Góes Monteiro, no dia 3 de outubro várias ações militares tem início no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no Nordeste. Os militares passaram a exigir a renúncia do presidente Washington Luís, que se negou a renunciar. Porém no dia 24 de outubro de 1930, ele é deposto da presidência da República e o país passa a ser governado por uma junta militar até o dia 3 de novembro, quando Getúlio Vargas, o arquiteto de todo esse golpe antidemocrático toma o poder através do chamado Governo Provisório.
Esse “Governo Provisório”, chefiado por Vargas, teve, no chamado grupo dos "tenentes”, um dos seus principais pilares de sustentação política. Vários líderes militares ocuparam cargos de importância na administração federal e nos estados. Porém, grupos regionais, numa tentativa de retomar posições que haviam perdido reagiram, pedindo uma nova Constituição para o Brasil. Esse conflito político aumentou e acabou provocando um novo movimento político em São Paulo, que ficou conhecido com a Revolução Constitucionalista de 1932. Depois de três meses de luta contra as forças federais, em outubro de 1932, os paulistas acabam se rendendo. Porém, consciente da importância dos paulistas e de olho em conseguir esse apoio político, Vargas estrategicamente cede à exigência de uma Constituição.
Assim, no dia 16 de julho de 1934, é promulgada a nova Constituição Federal e quatro dias depois, Getúlio Vargas foi empossado presidente constitucional (ou seja, de acordo com a Constituição), eleito por voto indireto pelo Congresso Nacional. Pela nova Constituição o mandato de Vargas deveria durar até 1938 e o seu sucessor deveria ser escolhido por eleição direta, o que acabou não acontecendo. Em 1937 a ditadura de Vargas se tornou uma realidade, com um golpe de estado, a extinção do parlamento, a censura aos meios de comunicação oficializada e a proibição dos partidos políticos. O ditador Getúlio Vargas permaneceu no poder até 1945, quando desprestigiado e pressionado interna e externamente pela democratização do país, foi deposto sem luta, pelos militares, no dia 29 de outubro de 1945, encerrando ali o chamado período do Estado Novo.
A relação conturbada entre Lobato e Getúlio Vargas, culminou com a prisão do escritor em 1941, por ele discordar da política governista para o setor petrolífero nacional, que privilegiava empresas estrangeiras e criava barreiras para as nacionais. Mais adiante, Vargas descaradamente, ainda roubou os ideais de Monteiro Lobato para criar a Petrobrás, em 1953.
Apesar de toda perseguição sofrida, a prisão e a censura que o impossibilitou de dar entrevistas ou escrever para jornais da data da sua soltura em 20 de junho de 1941, até o final da ditadura Vargas, em 1945 quando Vargas foi deposto, Lobato sempre manteve o respeito às instituições, às leis e à ordem.
O escritor sempre combateu suas discordâncias ou se defendeu de seus perseguidores, de modo absolutamente democrático. Já em agosto de 1932, após a Revolução de ’30, preocupado com o rumo anti-democrático do Governo Novo, Lobato escreve uma carta-manifesto pela democracia brasileira, dirigida à Waldemar Ferreira, então secretário da Justiça e Segurança Pública do Governo Constitucionalista Revolucionário de São Paulo, fazendo críticas ao crescente "militarismo federal" e considerando a insurreição uma "guerra de independência", declarando que: "São Paulo, depois da vitória, deverá expressar-se na fórmula Hegemonia ou Separação", título que deu ao documento.
Na verdade Monteiro Lobato soube como poucos usar sua voz e suas prerrogativas como cidadão em um regime democrático, para defender o desenvolvimento do Brasil e
cobrar melhores condições de vida para o povo brasileiro, independente de governo ou de partidos. O cidadão Monteiro Lobato, não precisou desrespeitar qualquer um dos poderes democraticamente constituídos para sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os caminhos para a sua emancipação econômica, cultural e social. Entre as bandeiras que defendeu em vida, podemos destacar a sua imensurável contribuição para a nossa independência cultural, o combate ao analfabetismo, a luta por uma escola modelo e a revolução pedagógica sonhada por ele, a melhoria da saúde pública, a modernização industrial e o investimento tecnológico.
A figura secular de Monteiro Lobato e o seu exemplo de respeito à democracia, ao estado democrático de direito e principalmente, no combate à corrupção, precisa ser reavivada através da sua obra, junto aos mais jovens, para que momentos como este que vivenciamos recentemente, não sejam jamais aceitáveis, quais forem as desculpa.
REFERÊNCIAS
https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/democracia.htm
https://www.sohistoria.com.br/ef2/eravargas/p3.php
https://otavianodeoliveira.blogspot.com/2010/11/monteiro-lobato-x-getulio-vargas.html
monteirolobato.com/linha-do-tempo/1931-1939-a-luta-de-lobato-pelo-petroleo-e-ferro/
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4244908/4104910/H9_3BIM_2013_ALUNO.pdf
https://www.ebiografia.com/getulio_vargas/
https://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/RepublicaVelha.htm