O petróleo é nosso! E Lobato também!

O petróleo é nosso! E Lobato também!

O escritor Monteiro Lobato se notabilizou com uma das figuras mais importantes do nosso país, não apenas como o pai da literatura infantil brasileira, mas também por ser um brasileiro a frente do seu tempo, empenhado no desenvolvimento cultural e econômico do seu pais.

Certamente muita gente desconhece, mas ele foi um dos primeiros a acreditar na existência do petróleo em terras brasileiras. Lobato defendeu a nacionalização do petróleo e a investimento da iniciativa privada na sua extração, defendendo a autossuficiência do nosso país na produção de combustíveis e consequentemente na independência energética em relação ao mercado estrangeiro.

Essa história do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo com o petróleo começou em 1927, quando Lobato foi nomeado adido comercial nos Estados Unidos, pelo então presidente Washington Luís. Lá o escritor conheceu de perto as inovações tecnológicas e industriais estadunidenses, e se convenceu de que o progresso naquele país era o resultado da formula de investimentos em ferro mais petróleo e transportes, modelo econômico-político que deveria ser replicado pelo Brasil, para transforma-lo numa potência mundial.

Durante essa estadia, Lobato visitou a General Motors, que o inspirou a criar uma empresa para a produção de aço no Brasil e a fim de levantar recursos para esse empreendimento, se tornou investidor da Bolsa de Nova York em 1928 na vésperas da quebra da bolsa. Com a quebra da bolsa em outubro de 1929, acabou perdendo todo o capital investido e foi obrigado inclusive a esconder esse fato de sua esposa, D. Purezinha. Vendeu as ações que possuía na Companhia Editora Nacional à Temístocles Marcondes, irmão de seu sócio, perdendo assim o controle acionário de sua empresa no ramo editorial.

Apesar disso Lobato manteve-se otimista, principalmente diante da vitória de Júlio Prestes nas eleições de 1930. Washington Luís havia investido pesado em transporte e seu sucessor já havia realizado explorações de petróleo no estado de São Paulo, fatos que aumentavam a expectativa em Lobato de que o nosso país seguiria nesse mesmo rumo. Entretanto, a revolução encabeçada por Getúlio Vargas naquele ano, impediu que Prestes tomasse posse, mudando os rumos da nossa história. Lobato é exonerado do cargo de Adido Comercial em dezembro de 1930 e desempregado, teve inclusive dificuldades financeiras para voltar ao Brasil no início de 1931.

Já no Brasil, Lobato se torna um defensor ferrenho da necessidade de investimentos  petróleo, ferro e estradas como pilares do desenvolvimento nacional. Ele cria a Companhia Petróleos do Brasil, uma empresa privada de capital aberto que vendeu 50% das suas ações em apenas quatro dias, e iniciou as pesquisas por petróleo no campo de Araquá, hoje a cidade de Águas de São Pedro, no interior do estado de São Paulo. Em seguida, o escritor cria a Companhia Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira e a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul, além da Companhia Mato-grossense de Petróleo, com a qual planejava perfurar poços próximo da fronteira com a Bolívia, país que já tinha encontrado petróleo em seu território.

Na contramão do que o escritor acreditava, o governo getulista, com o apoio de alguns empresários brasileiros, alegava que não havia petróleo em nosso país, numa suspeita proteção às petrolíferas americanas que já estavam instaladas no Brasil. Até aquele momento nenhuma jazida de petróleo ou de gás havia sido identificada ou explorada em nosso país, isso porque o poder público não tinha conhecimento, tecnologia, nem dinheiro para realizar tal empreitada.

Cada vez mais convencido de que havia sim petróleo no Brasil, as atitudes dos getulistas apenas reforçavam as suspeitas de Lobato de que os americanos já trabalhavam no mapeamento de petrolíferas, sob a proteção do governo brasileiro. Um enfrentamento ao governo Vargas não era fácil. Mesmo contando com técnicos estadunidenses experientes na prospecção e na extração de petróleo, a empresa de Lobato era frequentemente sabotada por órgãos governamentais, sofrendo intervenções por motivos banais, que apenas comprovaram as suas suspeitas.

Em janeiro de 1935, ele resolve então escrever  uma carta ao presidente Getúlio Vargas, se queixando das dificuldades impostas pelo Ministério da Agricultura em relação às atividades de suas companhias e denunciando, confidencialmente, as atividades da filial argentina da Standard Oil Company (que mais tarde se tornaria a Exxon/Esso) no país, com a conveniente corrupção de fiscais do Serviço Geológico Nacional. O governo ignora as queixas de Lobato. Insatisfeito com essa postura, o escritor então publica o livro “A Luta Pelo Petróleo”, onde denuncia publicamente o Serviço Geológico Nacional, órgão oficial encarregado das pesquisas, de ser conivente com a ação de grupos estrangeiros no Brasil e acusa o governo de “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire”.

Essa conduta do escritor acaba interferindo diretamente nos interesses de grandes grupos e do próprio governo federal, que em represália, interdita uma das sondas da empresa de Lobato, através de intervenção federal decretada em 1936. O escritor não se dá por vencido, levanta alguns recursos, prossegue com as explorações e finalmente encontra gás natural de petróleo a 250 metros de profundidade em Riacho Doce, no estado de Alagoas.

Nesse mesmo ano, Monteiro Lobato publica um outro livro: “O Escândalo do Petróleo”, onde faz novas denúncias, agora acusando dois técnicos estrangeiros do Departamento Nacional de Produção Mineral pela “venda de segredos do subsolo a empresas estrangeiras”. O livro é um sucesso estrondoso e suas três edições se esgotam no mesmo mês de lançamento. Um ano depois, o livro é censurado pelo governo federal.

Lobato edita então um terceiro livro sobre o assunto: “O Poço do Visconde – Uma aula de geologia para crianças”. Essa foi uma ação muito inteligente do escritor em envolver crianças e jovens na sua luta, através da conscientização infanto-juvenil quanto a importância desse produto, a época, pouco conhecido no país, como um meio de oferecer melhores condições de vida para todos.

As ações do escritor não param de incomodar o governo federal, que em 1938 decide explorar um poço na cidade de Lobato, atualmente um bairro de Salvador, na Bahia e lá finalmente encontra petróleo. Diante dessa descoberta, Getúlio resolve criar, em 1939, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), que se torna a primeira iniciativa do governo para regular e estruturar a exploração de petróleo Brasil.

Naquele momento, havia uma acirrada disputa entre empresários (caso de Monteiro Lobato e das petrolíferas estrangeiras) e ideais nacionalistas, divulgados pelo governo de Vargas, sobre a exploração petrolífera em nosso país. Numa manobra de última hora, Vargas decide alterar o decreto-lei que institui o CNP e passa a considerar como patrimônio da União, todas as jazidas de petróleo em solo brasileiro, inclusive as ainda não encontradas.

Incansável, Monteiro Lobato não desiste e em 1941, envia uma outra carta ao presidente Getúlio Vargas, onde faz duras críticas à política brasileira de exploração de minérios e acaba sendo preso pelo general Horta Barbosa.

Conforme já relatamos em um outro texto aqui no nosso blog, por essa carta Lobato foi condenado a seis meses de prisão sem direito a banhos de sol, recebendo o indulto do presidente três meses depois, deixando a prisão falido e desmotivado.

Em 1941 é finalmente descoberto o primeiro poço de exploração comercial, em Candeias, também no estado da Bahia, e o governo avança na prospecção de petróleo no país.  O país trava então um grande debate em torno da política do petróleo, após a promulgação da Constituição de 1946. Eurico Gaspar Dutra, presidente à época, era um defensor do modelo de política econômica liberal, da abertura ao capital estrangeiro, o que em resumo, significaria a entrega da exploração do nosso petróleo aos interesses das multinacionais.

Não havia naquele momento no Brasil, uma empresa nacional com capital e tecnologia necessários para a exploração de petróleo. Dutra envia em 1948 ao Congresso Nacional um projeto de lei que ficou conhecido como o “Estatuto do Petróleo” e que causou uma reação imediata e vigorosa dos nacionalistas que defendiam o monopólio estatal do petróleo, resultando numa grande mobilização que ganhou proporção nacional, e conseguiu impedir a tramitação do Estatuto. Essa mobilização eventualmente contribuiu para o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo no Brasil e por fim, a criação da Petrobrás, anos mais tarde.

Dois dias antes de sofrer um espasmo cerebral que o vitimou aos 66 anos de idade, Monteiro Lobato, que havia sido preso e perdido todo o dinheiro que havia ganho com seus livros, tentando achar petróleo, concedeu uma entrevista à rádio Record, reafirmando a sua posição favorável à vitoriosa campanha em defesa do nosso petróleo e articulou a frase que mais tarde virou o logo da Petrobras: “O Petróleo é nosso!”

Chega. Não quero nunca mais tocar neste assunto de petróleo. Amargurou-me doze anos de vida, levou-me à cadeia – mas isso não foi o pior. O pior foi a incoercível sensação de repugnância que desde então passei a sentir sempre que leio ou ouço a expressão ‘Governo Brasileiro’…” 

Encerrava-se assim a história de um dos mais célebres brasileiros, que pagou um alto preço por defender a nacionalização do petróleo, mas jamais se dobrou aos mandos e desmandos de um sistema que costuma ser impiedoso com aqueles que lhe afrontam.

 

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REFERÊNCIAS:

https://flatout.com.br/historia-de-monteiro-lobato-e-o-petroleo-brasileiro/

Tese: MONTEIRO LOBATO, “GENERAL DO PETRÓLEO”: CONTROVÉRSIAS

CIENTÍFICAS, FICÇÕES E FUTUROS EM DISPUTA NA CAMPANHA PRÓ-

PETRÓLEO (1931-1941) - DANIEL ALENCAR DE CARVALHO (PDF)

Artigo “Indústria siderúrgica brasileira nas ideias de Monteiro Lobato e Pandiá Calógeras” (PDF)

https://www.unicamp.br/unicamp/ju/678/poder-literatura-e-petroleo

https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/o-petroleo-e-nosso-derradeiras-palavras-de-monteiro-lobato-21532/