Viva o Dia do Saci, o Halloween brasileiro!

O que celebrar no dia 31 de outubro: o Halloween ou o Saci?

Se pudéssemos perguntar a Monteiro Lobato, certamente ele responderia: VIVA O SACI!

Comemorado no dia 31 de outubro, o Halloween é um tradicional evento muito celebrado em países norte-americanos por crianças e jovens que se fantasiam e batem de porta em porta a fim de ganhar doces. No entanto, no Brasil, outra comemoração também se destaca na data: o Dia do Saci.

Nacionalista convicto, numa época de formação do conceito de brasil-nação, Lobato foi o primeiro a se dedicar em traduzir da cultura oral para a escrita o mito do Saci, que graças aos livros do escritor, ganhou projeção nas grandes cidades do Brasil e internacionalmente, através das histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que foram também adaptadas com enorme sucesso para a TV.

Comum em países de língua anglo-saxônica, como os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, a celebração do Halloween já acontecia nos países latinos de modo mais tímido e no Brasil, por exemplo, era chamado de “Dia das Bruxas”, passando quase despercebido entre as comemorações brasileiras.

A data foi sendo aos poucos introduzida no nosso país em meados do século XX, por meio de filmes, séries de TV e outros produtos culturais estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, despertando a atenção do comércio que viu nessa celebração, uma oportunidade de negócio.

Apesar do sucesso entre os mais jovens, essa onda crescente logo provocou críticas à implementação de uma festa da cultura estrangeira no cenário cultural brasileiro, desencadeando uma forte movimentação política para transformar o dia 31 de outubro no Dia do Saci, a fim de valorizar a cultura do nosso país, representada pelo nosso folclore.

Para explicar essa ‘invasão cultural’, há um conceito esboçado pelo teórico estrategista de relações internacionais, Joseph Nye, chamado de soft power, que normalmente se traduz como “poder brando”. Esse termo diz respeito a um conjunto de iniciativas não militares ou econômicas, que permitem que um Estado atinja seus interesses de política externa. Em resumo: o soft power está relacionado à capacidade de um país ter influência direta em outros por meio da sua cultura, sua capacidade de se projetar para o mundo. Um exemplo é a poderosíssima indústria cultural estadunidense, com produções de Hollywood e de séries de TV, que chegam ao Brasil com cada vez mais frequência. Esse poder se manifesta também na influência acadêmica, como a leitura e o intercâmbio de pesquisadores.

Alexandre Ganan Figueiredo, historiador e pesquisador de pós-doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, descreve também como elemento desse tipo de influência a exportação de um estilo de vida ideal, apresentado como um modelo a ser copiado, como é o caso da comemoração do Halloween no Brasil. Entretanto o Dia das Bruxas ou Halloween, não possui qualquer relação com as tradições e a formação cultural brasileiras, não sendo portanto uma manifestação usual.

É justamente a partir dessa percepção que em 2003, foi apresentado pelo deputado federal por São Paulo, Aldo Rebelo, um projeto de lei para a celebração nacional, no dia 31 de outubro, do Dia do Saci, um dos mais conhecidos personagens do folclore brasileiro. A época a matéria acabou arquivada, mas a inciativa repercutiu nacionalmente e a data passou a ser celebrada mesmo não sendo oficial.

Bruno Baronetti, pesquisador e doutorando em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, vê o Dia do Saci como uma resposta à indústria cultural estadunidense em um momento no qual filmes de grandes franquias, com personagens do imaginário do Halloween, como os vampiros, começavam a ganhar força por aqui. “Além disso, havia uma percepção de que cada vez mais escolas do ensino básico valorizavam o Dia das Bruxas no modelo norte-americano”, explica o pesquisador.

Tendo o Brasil um folclore muito rico, com lendas e histórias vindas da miscigenação entre diversos povos, o que é próprio da nossa formação como país, uma questão ganhou força: “Por que não promover uma reflexão sobre o papel da cultura nacional?”.

Incomodado com a “invasão cultural representada pelo Halloween no Brasil”, o jornalista e geógrafo Mouzar Benedito, e um grupo de amigos, decidiram fundar em 2003, na cidade de São Luiz do Paraitinga, no interior paulista, a Sociedade de Observadores de Saci (Sosaci). A entidade tem como objetivo não deixar morrer a cultura do personagem, popularizado através da obra de Monteiro Lobato e nesse mesmo ano, foi aprovada, naquela cidade, a primeira lei municipal instituindo o dia 31 de outubro, como o Dia do Saci.

A iniciativa acabou sendo replicada em outros municípios e no ano seguinte, uma lei semelhante foi aprovada também na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Estudos folclóricos no Brasil, desde o início do século 20, através do Movimento Folclórico Brasileiro, e grandes estudiosos, como Mário de Andrade e Edison Carneiro, buscam a inserção desses temas nas escolas.

O Dia do Saci tem o papel de estimular, de resgatar a nossa cultura, fazendo um contraponto a esse projeto colonizador e imperialista que busca inserir aqui elementos alheios à nossa cultura.

A ideia de quem defende o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, não é acabar com o Halloween, mas sim criar um contraponto para que as crianças, além da tradição estrangeira, passem a ter contato também com tradições e culturas nacionais.

Em 2017, o historiador e então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Chico Alencar, apresentou um outro Projeto de Lei instituindo nacionalmente a data de 31 de outubro, como o Dia do Saci, destacando a importância de se recuperar, na figura desse personagem folclórico, a luta contra a escravidão e todas as formas de opressão, além do fortalecimento da identidade nacional.

Nossa mentalidade colonizada e subalterna ainda prevalece. Portanto, a luta pelo reconhecimento e valorização do Saci prossegue e ainda tem de vencer muitas etapas até se construir no novo imaginário popular“, comentou à época em que apresentou a proposta.

Para o professor Fernando Pereira, especialista em Cultura Brasileira do Mackenzie, os grupos que se esforçam para resgatar figuras do folclore nacional fazem um trabalho fundamental e imprescindível, afinal a história de qualquer país está intimamente ligada ao seu folclore, as suas tradições, crenças e costumes.

Defender a celebração do Dia do Saci, esse personagem que é a mais perfeita representação da miscigenação brasileira – índio, negro e europeu –, não significa combater a introdução de outros elementos na nossa cultura. Afinal, o Brasil é um país de vários contrastes, uma verdadeira colcha de retalhos sócio culturais. Apenas não é aceitável permitir que um elemento puramente comercial supere manifestações folclóricas, nascidas do imaginário popular e de tradições históricas.

Nesse processo de preservação dos nossos valores culturais e das nossas tradições, pais e professores têm um papel fundamental. Não é proibido o novo, mas não podemos em hipótese alguma esquecer o antigo. E para isso, o ideal é que temas relacionados ao folclore não sejam abordados por escolas e professores apenas em datas comemorativas, mas que façam parte do cotidiano escolar. Não podemos simplesmente tratar de modo superficial ou até mesmo ignorar a importância do nosso folclore na criação da identidade cultural do nosso país.

Aproveitando toda essa onda nacionalista que atualmente tomou conta do nosso país, fica aqui o convite para que possamos refletir também sobre essa questão e mais do que celebrar o Saci, valorizar a nossa própria cultura.

Por fim, resgatamos aqui um pensamento do escritor, ator e teatrólogo Plínio Marcos para aguçar ainda mais essa reflexão: “um povo que não ama e preserva as suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre”. 

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FONTES:

https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/10/29/interna_nacional,1199456/como-o-dia-do-saci-quer-rivalizar-com-o-halloween-no-brasil.shtml

https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2021/10/4955568-entenda-o-motivo-do-halloween-e-dia-do-saci-serem-comemorados-na-mesma-data.html

Emília, a boneca que virou gente e roubou a cena no Sítio do Pica-Pau Amarelo

Quando se pensa no Sítio do Pica-Pau Amarelo é praticamente impossível não vir a memória a imagem da Emília, a mais famosa boneca que virou gente do Brasil, e foi criada por Monteiro Lobato, em 1920, com a publicação do livro “A Menina do Narizinho Arrebitado”.

Nesta sequência sobre os principais personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, chegou a hora de falar da boneca de pano, que nasceu com cerca de 40 centímetros, das mãos hábeis da Tia Nastácia, feita de uma saia velha recheada com flores de macela – a camomila brasileira – para Narizinho, que vivia muito solitária no Sítio. Cansada de conversar com a boneca e não ter respostas, Narizinho levou Emília até Reino da Agua Claras onde o Doutor Caramujo, médico do reino, deu uma pílula falante para a boneca, que imediatamente disse sua primeira frase: Que gosto horrível de sapo na boca!”. Daí pra frente Emília não parou mais de falar! Preocupada com a tagarelice desenfreada de sua boneca, Narizinho chegou a pedir ao doutor que a fizesse vomitar aquela pílula e lhe desse uma mais fraquinha, mas foi convencida pelo Caramujo de que aquilo se tratava apenas de fala recolhida”, que precisava sair de qualquer jeito e que logo passaria.

Na evolução para se tornar gente, além de tagarela, Emília se mostra dona de uma personalidade forte, assim como Monteiro Lobato. Aliás alguns estudiosos sobre o autor, afirmam que ela seria a própria personificação da força, da astúcia e do pensamento crítico de Monteiro Lobato.

Curiosamente, de acordo com o professor Osni Lourenço Cruz, pesquisador da vida e obra do escritor, há uma carta datada de 1º de fevereiro de 1943, onde Lobato relata que todos os seus personagens foram criados ao acaso, sem intenções. E sobre Emília, ele escreveu:

[…] Emília começou uma feia boneca de pano, dessas que nas quitandas do interior custavam 200 réis. Mas rapidamente evoluiu, e evoluiu cabritamente – cabritinho novo – aos pinotes. Teoria biológica das mutações. E foi adquirindo uma tal independência que, não sei em que livro, quando lhe perguntaram: Mas quem você é, afinal contas, Emília? ela respondeu de queixinho empinado: Sou a Independência ou Morte!” Apesar disso, encontramos um certo indício para a origem do nome Emília, dado à boneca, em uma citação do escritor Carmo Chagas no livro “Os Oliveira Costa de Taubaté”: “Na casa de Antonieta Bernardes, grande amiga de Maria Eudoxia, trabalhou uma moça negra chamada Emília, que na infância foi companheira de brinquedo dos filhos de Monteiro Lobato e dizia-se em Taubaté, deu seu nome à endiabrada boneca falante”. Fato é que Monteiro Lobato encontrou inspiração para os seus personagens na sua imaginação, vivencia e nas suas leitura. Para os nomes de seus personagens parece ter encontrado inspiração nos tipos taubateanos, mas daí em diante,

tudo paira no campo das especulações. Falando sobre a nossa personagem, Emília se mostra desde o princípio, muito determinada e independente, uma representação feminina que seu criador defendia, bem diferente do que acontecia naquela época, quando as mulheres eram completamente submissas e como as crianças, nem sequer podiam expressar suas opiniões.

Circulando entre o mundo real e o imaginário, a boneca-gente pensa como ser humano, vive de modo irreverente, faz o que – e quando – quer, além de ter um comportamento totalmente repreensível para um adulto, muito parecido ao de uma criança mal criada. Emília é extremamente teimosa e as vezes até mesmo egoísta, e quando questionada sobre quem realmente é, sem pestanejar, tem a resposta na ponta da língua: Sou a independência ou Morte!”, como se quisesse de fato bater de frente com os conceitos e costumes da época.

Através da mente brilhante de Monteiro Lobato, a irreverente Emília se torna protagonista em diversos livros da coleção, mas é destaque em seus próprios, como Emília no País da Gramática (1934), Aritmética da Emília (1935) e Memórias de Emília (1936), onde tem sua biografia escrita pelo Visconde de Sabugosa. Ela ganhou títulos de nobreza como a Condessa das Três Estrelinhase Marquesa de Rabic’ó. Pouca gente talvez saiba, mas Emília também tem alguns apelidos engraçados criados por ela própria, como: bailarina equestre, trapezista de circo, fada de pano, botadeira de nomes, inventadeira de idéias, olhadeira telescópica, caçadora de Saci, mandadeira de cartas, escrevedora de memórias e redatora chefe do jornal Grito do Picapau Amarelo.

Evidente que Emília não se contentou com o mero papel de dama de companhiada menina do nariz arrebitado, deixou de lado os padrões daquele tempo, rompendo com o estereótipo de boneca frágil e delicada, para assumir, não se sabe se ao acaso ou intencionalmente, a posição de protagonista nas fábulas mais extraordinárias da literatura infantil brasileira.

E podemos ir além. Como já abordamos em outro texto sobre as personagens femininas criadas por Lobato, Emília, D. Benta, Tia Anastácia e Narizinho, ignoram todos os padrões impostos pela dominância machista do período em que foram criadas, que viam a mulher como um ser frágil e totalmente dependente. Com extrema ousadia, elas dividem espaço com os demais personagens masculinos, enfrentando as mesmas dificuldades e êxitos, com seus defeitos e qualidades, despertando nas crianças emoções que as estimulam a refletir, aprender e dialogar com os seus próprios valores. Assim a falante boneca de pano que virou gente, segue ainda hoje encantando e inspirando gerações, para orgulho do seu criador e o deleite de seus leitores, como nós, meros mortais.

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REFERÊNCIAS

Prof. Osni Lourenço Cruz – “Na trilha de Lobato”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlia_(personagem)
https://linguaportuguesa.digital/glossario/emilia-de-monteiro-lobato

O petróleo é nosso! E Lobato também!

O escritor Monteiro Lobato se notabilizou com uma das figuras mais importantes do nosso país, não apenas como o pai da literatura infantil brasileira, mas também por ser um brasileiro a frente do seu tempo, empenhado no desenvolvimento cultural e econômico do seu pais.

Certamente muita gente desconhece, mas ele foi um dos primeiros a acreditar na existência do petróleo em terras brasileiras. Lobato defendeu a nacionalização do petróleo e a investimento da iniciativa privada na sua extração, defendendo a autossuficiência do nosso país na produção de combustíveis e consequentemente na independência energética em relação ao mercado estrangeiro.

Essa história do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo com o petróleo começou em 1927, quando Lobato foi nomeado adido comercial nos Estados Unidos, pelo então presidente Washington Luís. Lá o escritor conheceu de perto as inovações tecnológicas e industriais estadunidenses, e se convenceu de que o progresso naquele país era o resultado da formula de investimentos em ferro mais petróleo e transportes, modelo econômico-político que deveria ser replicado pelo Brasil, para transforma-lo numa potência mundial.

Durante essa estadia, Lobato visitou a General Motors, que o inspirou a criar uma empresa para a produção de aço no Brasil e a fim de levantar recursos para esse empreendimento, se tornou investidor da Bolsa de Nova York em 1928 na vésperas da quebra da bolsa. Com a quebra da bolsa em outubro de 1929, acabou perdendo todo o capital investido e foi obrigado inclusive a esconder esse fato de sua esposa, D. Purezinha. Vendeu as ações que possuía na Companhia Editora Nacional à Temístocles Marcondes, irmão de seu sócio, perdendo assim o controle acionário de sua empresa no ramo editorial.

Apesar disso Lobato manteve-se otimista, principalmente diante da vitória de Júlio Prestes nas eleições de 1930. Washington Luís havia investido pesado em transporte e seu sucessor já havia realizado explorações de petróleo no estado de São Paulo, fatos que aumentavam a expectativa em Lobato de que o nosso país seguiria nesse mesmo rumo. Entretanto, a revolução encabeçada por Getúlio Vargas naquele ano, impediu que Prestes tomasse posse, mudando os rumos da nossa história. Lobato é exonerado do cargo de Adido Comercial em dezembro de 1930 e desempregado, teve inclusive dificuldades financeiras para voltar ao Brasil no início de 1931.

Já no Brasil, Lobato se torna um defensor ferrenho da necessidade de investimentos  petróleo, ferro e estradas como pilares do desenvolvimento nacional. Ele cria a Companhia Petróleos do Brasil, uma empresa privada de capital aberto que vendeu 50% das suas ações em apenas quatro dias, e iniciou as pesquisas por petróleo no campo de Araquá, hoje a cidade de Águas de São Pedro, no interior do estado de São Paulo. Em seguida, o escritor cria a Companhia Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira e a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul, além da Companhia Mato-grossense de Petróleo, com a qual planejava perfurar poços próximo da fronteira com a Bolívia, país que já tinha encontrado petróleo em seu território.

Na contramão do que o escritor acreditava, o governo getulista, com o apoio de alguns empresários brasileiros, alegava que não havia petróleo em nosso país, numa suspeita proteção às petrolíferas americanas que já estavam instaladas no Brasil. Até aquele momento nenhuma jazida de petróleo ou de gás havia sido identificada ou explorada em nosso país, isso porque o poder público não tinha conhecimento, tecnologia, nem dinheiro para realizar tal empreitada.

Cada vez mais convencido de que havia sim petróleo no Brasil, as atitudes dos getulistas apenas reforçavam as suspeitas de Lobato de que os americanos já trabalhavam no mapeamento de petrolíferas, sob a proteção do governo brasileiro. Um enfrentamento ao governo Vargas não era fácil. Mesmo contando com técnicos estadunidenses experientes na prospecção e na extração de petróleo, a empresa de Lobato era frequentemente sabotada por órgãos governamentais, sofrendo intervenções por motivos banais, que apenas comprovaram as suas suspeitas.

Em janeiro de 1935, ele resolve então escrever  uma carta ao presidente Getúlio Vargas, se queixando das dificuldades impostas pelo Ministério da Agricultura em relação às atividades de suas companhias e denunciando, confidencialmente, as atividades da filial argentina da Standard Oil Company (que mais tarde se tornaria a Exxon/Esso) no país, com a conveniente corrupção de fiscais do Serviço Geológico Nacional. O governo ignora as queixas de Lobato. Insatisfeito com essa postura, o escritor então publica o livro “A Luta Pelo Petróleo”, onde denuncia publicamente o Serviço Geológico Nacional, órgão oficial encarregado das pesquisas, de ser conivente com a ação de grupos estrangeiros no Brasil e acusa o governo de “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire”.

Essa conduta do escritor acaba interferindo diretamente nos interesses de grandes grupos e do próprio governo federal, que em represália, interdita uma das sondas da empresa de Lobato, através de intervenção federal decretada em 1936. O escritor não se dá por vencido, levanta alguns recursos, prossegue com as explorações e finalmente encontra gás natural de petróleo a 250 metros de profundidade em Riacho Doce, no estado de Alagoas.

Nesse mesmo ano, Monteiro Lobato publica um outro livro: “O Escândalo do Petróleo”, onde faz novas denúncias, agora acusando dois técnicos estrangeiros do Departamento Nacional de Produção Mineral pela “venda de segredos do subsolo a empresas estrangeiras”. O livro é um sucesso estrondoso e suas três edições se esgotam no mesmo mês de lançamento. Um ano depois, o livro é censurado pelo governo federal.

Lobato edita então um terceiro livro sobre o assunto: “O Poço do Visconde – Uma aula de geologia para crianças”. Essa foi uma ação muito inteligente do escritor em envolver crianças e jovens na sua luta, através da conscientização infanto-juvenil quanto a importância desse produto, a época, pouco conhecido no país, como um meio de oferecer melhores condições de vida para todos.

As ações do escritor não param de incomodar o governo federal, que em 1938 decide explorar um poço na cidade de Lobato, atualmente um bairro de Salvador, na Bahia e lá finalmente encontra petróleo. Diante dessa descoberta, Getúlio resolve criar, em 1939, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), que se torna a primeira iniciativa do governo para regular e estruturar a exploração de petróleo Brasil.

Naquele momento, havia uma acirrada disputa entre empresários (caso de Monteiro Lobato e das petrolíferas estrangeiras) e ideais nacionalistas, divulgados pelo governo de Vargas, sobre a exploração petrolífera em nosso país. Numa manobra de última hora, Vargas decide alterar o decreto-lei que institui o CNP e passa a considerar como patrimônio da União, todas as jazidas de petróleo em solo brasileiro, inclusive as ainda não encontradas.

Incansável, Monteiro Lobato não desiste e em 1941, envia uma outra carta ao presidente Getúlio Vargas, onde faz duras críticas à política brasileira de exploração de minérios e acaba sendo preso pelo general Horta Barbosa.

Conforme já relatamos em um outro texto aqui no nosso blog, por essa carta Lobato foi condenado a seis meses de prisão sem direito a banhos de sol, recebendo o indulto do presidente três meses depois, deixando a prisão falido e desmotivado.

Em 1941 é finalmente descoberto o primeiro poço de exploração comercial, em Candeias, também no estado da Bahia, e o governo avança na prospecção de petróleo no país.  O país trava então um grande debate em torno da política do petróleo, após a promulgação da Constituição de 1946. Eurico Gaspar Dutra, presidente à época, era um defensor do modelo de política econômica liberal, da abertura ao capital estrangeiro, o que em resumo, significaria a entrega da exploração do nosso petróleo aos interesses das multinacionais.

Não havia naquele momento no Brasil, uma empresa nacional com capital e tecnologia necessários para a exploração de petróleo. Dutra envia em 1948 ao Congresso Nacional um projeto de lei que ficou conhecido como o “Estatuto do Petróleo” e que causou uma reação imediata e vigorosa dos nacionalistas que defendiam o monopólio estatal do petróleo, resultando numa grande mobilização que ganhou proporção nacional, e conseguiu impedir a tramitação do Estatuto. Essa mobilização eventualmente contribuiu para o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo no Brasil e por fim, a criação da Petrobrás, anos mais tarde.

Dois dias antes de sofrer um espasmo cerebral que o vitimou aos 66 anos de idade, Monteiro Lobato, que havia sido preso e perdido todo o dinheiro que havia ganho com seus livros, tentando achar petróleo, concedeu uma entrevista à rádio Record, reafirmando a sua posição favorável à vitoriosa campanha em defesa do nosso petróleo e articulou a frase que mais tarde virou o logo da Petrobras: “O Petróleo é nosso!”

Chega. Não quero nunca mais tocar neste assunto de petróleo. Amargurou-me doze anos de vida, levou-me à cadeia – mas isso não foi o pior. O pior foi a incoercível sensação de repugnância que desde então passei a sentir sempre que leio ou ouço a expressão ‘Governo Brasileiro’…” 

Encerrava-se assim a história de um dos mais célebres brasileiros, que pagou um alto preço por defender a nacionalização do petróleo, mas jamais se dobrou aos mandos e desmandos de um sistema que costuma ser impiedoso com aqueles que lhe afrontam.

 

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REFERÊNCIAS:

https://flatout.com.br/historia-de-monteiro-lobato-e-o-petroleo-brasileiro/

Tese: MONTEIRO LOBATO, “GENERAL DO PETRÓLEO”: CONTROVÉRSIAS

CIENTÍFICAS, FICÇÕES E FUTUROS EM DISPUTA NA CAMPANHA PRÓ-

PETRÓLEO (1931-1941) – DANIEL ALENCAR DE CARVALHO (PDF)

Artigo “Indústria siderúrgica brasileira nas ideias de Monteiro Lobato e Pandiá Calógeras” (PDF)

https://www.unicamp.br/unicamp/ju/678/poder-literatura-e-petroleo

https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/o-petroleo-e-nosso-derradeiras-palavras-de-monteiro-lobato-21532/