A Importância da Representatividade da personagem Nastácia
Por Andréa Rosa
Tradutora e Intérprete de LIBRAS
Doutora em Educação e Professora da UFSCAR - Campus Sorocaba
Ter em mãos a versão da obra de Monteiro Lobato adaptada pela sua bisneta é um presente para nós leitores brasileiros. Cleo reúne características únicas que a qualificam para este trabalho e porque não dizer “aventura” que é tornar as obras de Monteiro Lobato acessível às crianças do século XXI!
A princípio para um leitor menos avisado realizar a versão ou a adaptação de um texto pode dar a impressão de ser uma tarefa fácil, porém, não é, pois ambos demandam conhecimentos linguísticos e artísticos. Ambos envolvem a recriação centrada na língua–alvo e na cultura de seus leitores, trabalho que Cleo Monteiro Lobato realiza com perfeição por meio das ilustrações e do texto.
Vale ressaltar que recentemente a obra de Monteiro Lobato tem sofrido algumas críticas, sendo considerada por alguns, preconceituosa, porém devemos considerar a época na qual foi escrita e os costumes estabelecidos. Então, vindo de encontro da atualidade e dos progressos alcançados com o tempo, Cleo Monteiro Lobato nos apresenta um texto que enaltece as diferenças sem desigualdade. Por exemplo quando nos apresenta Tia Nastácia “Na casa ainda existem duas pessoas – Tia Nastácia, amiga de infância de Dona Benta que carregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo”. Por meio desse recurso inusitado ao apresentar a Tia Nastácia como amiga de infância da Dona Benta e não como cozinheira, Cleo introduz as personagens de forma similar em total igualdade! Essa adaptação permite ao leitor imaginar Tia Nastácia e Dona Benta sem distinção de classe social, produzindo um texto apropriado no atual contexto social brasileiro.
As ilustrações dessa obra possuem leveza, criatividade e contemporaneidade, deixando os personagens ao alcance do imaginário das crianças do século XXI. As ilustrações são essenciais no livro infantil, pois aviva a imaginação, aflora sentimentos e possibilita a construção de significados. A imagem é sempre o primeiro chamado para a criança pequena, que ainda não domina a leitura verbal. A leitura de um livro começa na capa e vai até onde o leitor possa perceber a riqueza de detalhes que compõem a obra, cujas narrativas de texto e de imagem se conectam. A narrativa da obra se faz de maneira articulada entre textos e imagens.
Nessa direção vale destacar as referências que são trazidas ao texto por meio das ilustrações, a exemplo de Narizinho que sempre foi descrita como uma menina morena cor de jambo que mora no sítio, e acompanhando dessa narrativa temos a ilustração de uma menina desta vez realmente morena com cabelos castanhos escuros curtos, vestido vermelho e calçando tênis All Star vermelhos, representação totalmente contemporânea. Essa imagem permite as crianças se identificarem com o personagem e nesse momento ocorre a captura do leitor pela obra! Cleo Monteiro Lobato alcança o êxito desejado por todo e qualquer autor!!
Vale destacar a nova tia Nastácia. Ela é retratada com riqueza de detalhes com suas roupas coloridas e típicas dos países africanos, com brincos, colares e pulseiras, dessa forma abandonando-se o lugar de subalterna e sem posses, a personagem negra está em pé de igualdade com a Dona Benta. Por essa contribuição a obra de Cleo Monteiro Lobato já é por si só merecedora de ser lida pelas nossas crianças, pois colabora para a transformação do olhar do outro sobre a pessoa negra e igualmente permite a criança negra se identificar com o personagem de forma admirável, produzindo nessa criança auto estima positiva sobre si mesma.
Nesse trabalho, narrativa e imagem são tecidas com delicadezas e preenchem todo o livro concebendo dele como uma obra reescrita e ao mesmo tempo original. E não é esse o desejo de todo tradutor/autor? Fazer ecoar na obra a voz do autor do original na reescrita de um novo texto autoral?
Monteiro Lobato sobrevive para as crianças do século XXI no trabalho sensível da sua bisneta!