Narizinho; a primeira personagem feminina a ser protagonista em histórias infantis

Alguns dias antes do Natal de 1920, Monteiro Lobato publicava sua primeira obra escrita especialmente para o público infantojuvenil: “A Menina do Narizinho Arrebitado”, pioneira em diversos aspectos.

A obra marcou época, principalmente ao trazer pela primeira vez, como protagonista, uma personagem feminina, antes mesmo da espevitada Emília, que só teria o seu nome estampado num título em 1934 com o livro “Emília no País da Gramática”.

Para diversas gerações de crianças, as páginas dessa obra literária abriram as portas, ou melhor, as porteiras, para um mundo mágico, sem fronteiras de tempo e espaço, sem oposição entre o real e o fantástico, onde o que se deseja se pode viver, o que se imagina pode acontecer.

Aos poucos fomos conhecendo e nos tornando íntimos dos habitantes deste mundo, uma constelação de personagens incríveis que orbitam, naquela época, em torno de uma estrela maior: Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, que deu início, há mais de 100 anos, a uma das mais famosas coleções da literatura infantojuvenil brasileira – o Sítio do Pica-Pau Amarelo”.

Dando sequência a nossa série sobre os principais personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, abordamos neste artigo, a personagem Narizinho.

Mas quem é essa personagem que ganhou fama por ter como principal característica física, um nariz arrebitado? Lúcia Encerrabodes de Oliveira, é o nome de batismo da neta de Dona Benta, prima de Pedrinho, dona da boneca Emília e ainda protagonista de várias aventuras que marcaram gerações, na forma de livro e também na televisão, no Brasil e no mundo.

Infelizmente, entre todos os personagens criados por Lobato, Narizinho é de quem menos se tem informações em relação a sua inspiração, origem e outros detalhes que nos ajudem a ampliar o nosso próprio imaginário. Na edição original, entre as poucas informações, o escritor nos indica que ela era órfã de pai e mãe, sem citar de quem era filha (se de um filho ou de uma filha de Dona Benta), por exemplo. Sabemos que seus pais morreram e só.

Monteiro Lobato foi um desses escritores que não costumava descrever detalhadamente a aparência de cada personagem. Ele costumava informar apenas leves indícios para caracterizar sua criação, assim como também fez com Narizinho,

descrevendo a personagem como uma menininha de sete anos, morena como jambo, de olhos pretos como duas jabuticabas”, algumas vezes bem diferente de algumas das Narizinhos que aparecem nas ilustraçoes dos seus livros e tambem nos programas de televisão que fizeram enorme sucesso ao longo de décadas.

Sua neta, Joyce suspeita que a personagem teria sido inspirada nas irmãs de Juca, como Lobato era chamado pela familia, Judith e Esther. Ambas era extremamente inteligentes, de personalidade forte e de imaginação fértil. Tambem nos deparamos no texto do professor Osni Lourenço Cruz, em seu livro Na trilha de Lobato”, onde ele afirma que “Narizinho seria fruto de uma fixação antiga por narizes que se percebe em muitos escritos de Lobato. Muitas características da personagem estariam ligadas às irmãs do escritor: Judith e Esther, com as quais costumava brincar na fazenda dos pais.”

Sobre a fixação com narizes arrebitados aqui vemos a realidade seguir a fantasia pois por incrível que pareça tanto sua neta Joyce quanto a bisneta de Lobato, Cleo, tem narizes arrebitados!

Na verdade, nunca saberemos ao certo de onde teria vindo a inspiração para a criação da nossa protagonista, entretanto, é facilmente percebida em Narizinho, várias características que moldam a sua personalidade: uma menina imaginativa e inteligente, com forte senso de justiça, que adora brincar e que valoriza uma boa amizade – como se nota na sua proximidade com a Emília, sua boneca de pano, melhor amiga e companheira.

O jambo, destacado como sendo a cor da pele de Narizinho, é uma fruta nordestina avermelhada e essa característica sutilmente acrescentada por Lobato, talvez um indício de brasilidade e mestiçagem tão comum na população brasileira.

Mas pouco importa aqui a cor de pele da nossa personagem e sim o seu protagonismo. Afinal Narizinho foi a responsável por dar origem a tudo que de maravilhoso acontece no sítio. É ela quem faz uma boneca falar, um sabugo filosofar, quem se casa com um peixe e ainda faz sua boneca se casar com um leitão!

Assim como Lewis Carroll criou sua Alice genialmente descrevendo como se sonha, quando os acontecimentos se desenrolam de modo bagunçado, Monteiro Lobato criou a personagem à sua maneira. Ele também fez Narizinho uma sonhadora, mas ela sonha de modo mais ordenado, como se estivesse acordada.

A nossa centenária personagem, no auto do seu protagonismo literário, simplesmente sonha o que quer sonhar!

 

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REFERÊNCIAS

https://jornal.usp.br/cultura/ha-cem-anos-nascia-narizinho-uma-menina-de-nariz-

Narizinho

https://www.scielo.br/j/ccedes/a/ysqfcVHPLcNq7vqQbYJxFmM/?lang=pt

http://espaconarizinho.blogspot.com/p/quem-e-narizinho.html

https://www.ovale.com.br/brand/2.730/narizinho-e-negra-cravou-pedro-bandeira-

Na trilha de Lobato” – professor Osni Lourenço Cru

A Importância da Representatividade da personagem Nastácia

Por Andréa Rosa
Tradutora e Intérprete de LIBRAS
Doutora em Educação e Professora da UFSCAR – Campus Sorocaba

Ter em mãos a versão da obra de Monteiro Lobato adaptada pela sua bisneta é um presente para nós leitores brasileiros. Cleo reúne características únicas que a qualificam para este trabalho e porque não dizer “aventura” que é tornar as obras de Monteiro Lobato acessível às crianças do século XXI!

A princípio para um leitor menos avisado realizar a versão ou a adaptação de um texto pode dar a impressão de ser uma tarefa fácil, porém, não é, pois ambos demandam conhecimentos linguísticos e artísticos. Ambos envolvem a recriação centrada na língua–alvo e na cultura de seus leitores, trabalho que Cleo Monteiro Lobato realiza com perfeição por meio das ilustrações e do texto.

Vale ressaltar que recentemente a obra de Monteiro Lobato tem sofrido algumas críticas, sendo considerada por alguns, preconceituosa, porém devemos considerar a época na qual foi escrita e os costumes estabelecidos. Então, vindo de encontro da atualidade e dos progressos alcançados com o tempo, Cleo Monteiro Lobato nos apresenta um texto que enaltece as diferenças sem desigualdade. Por exemplo quando nos apresenta Tia Nastácia “Na casa ainda existem duas pessoas – Tia Nastácia, amiga de infância de Dona Benta que carregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo”. Por meio desse recurso inusitado ao apresentar a Tia Nastácia como amiga de infância da Dona Benta e não como cozinheira, Cleo introduz as personagens de forma similar em total igualdade! Essa adaptação permite ao leitor imaginar Tia Nastácia e Dona Benta sem distinção de classe social, produzindo um texto apropriado no atual contexto social brasileiro.

As ilustrações dessa obra possuem leveza, criatividade e contemporaneidade, deixando os personagens ao alcance do imaginário das crianças do século XXI. As ilustrações são essenciais no livro infantil, pois aviva a imaginação, aflora sentimentos e possibilita a construção de significados. A imagem é sempre o primeiro chamado para a criança pequena, que ainda não domina a leitura verbal. A leitura de um livro começa na capa e vai até onde o leitor possa perceber a riqueza de detalhes que compõem a obra, cujas narrativas de texto e de imagem se conectam. A narrativa da obra se faz de maneira articulada entre textos e imagens.

Nessa direção vale destacar as referências que são trazidas ao texto por meio das ilustrações, a exemplo de Narizinho que sempre foi descrita como uma menina morena cor de jambo que mora no sítio, e acompanhando dessa narrativa temos a ilustração de uma menina desta vez realmente morena com cabelos castanhos escuros curtos, vestido vermelho e calçando tênis All Star vermelhos, representação totalmente contemporânea. Essa imagem permite as crianças se identificarem com o personagem e nesse momento ocorre a captura do leitor pela obra! Cleo Monteiro Lobato alcança o êxito desejado por todo e qualquer autor!!

Vale destacar a nova tia Nastácia. Ela é retratada com riqueza de detalhes com suas roupas coloridas e típicas dos países africanos, com brincos, colares e pulseiras, dessa forma abandonando-se o lugar de subalterna e sem posses, a personagem negra está em pé de igualdade com a Dona Benta. Por essa contribuição a obra de Cleo Monteiro Lobato já é por si só merecedora de ser lida pelas nossas crianças, pois colabora para a transformação do olhar do outro sobre a pessoa negra e igualmente permite a criança negra se identificar com o personagem de forma admirável, produzindo nessa criança auto estima positiva sobre si mesma.

Nesse trabalho, narrativa e imagem são tecidas com delicadezas e preenchem todo o livro concebendo dele como uma obra reescrita e ao mesmo tempo original. E não é esse o desejo de todo tradutor/autor? Fazer ecoar na obra a voz do autor do original na reescrita de um novo texto autoral?

Monteiro Lobato sobrevive para as crianças do século XXI no trabalho sensível da sua bisneta!

Magno Silveira, um dos inumeráveis e apaixonados “filhos de Lobato”

A paixão de Magno Silveira pelos livros de Monteiro Lobato é prova do extraordinário alcance que tiveram os livros de Monteiro Lobato Brasil a fora.

Nascido em mãos de uma parteira na Fazenda do Lajão, no município de São Pedro dos Ferros, na zona da Mata mineira, o designer, ilustrador e bibliófilo Magno Silveira, já nos tempos de pré-adolescente, morava” literalmente, na pequena biblioteca da cidade. Costumava passar os dias mexendo, remexendo, lendo e relendo o curioso acervo que marcou a sua memória, com a mítica O Tesouro da Juventude e toda a obra infantil de Jose Bento Monteiro Lobato.

Uma das coleções, relembra Magno, de capa vermelha com dourações, que existia na biblioteca, foi ilustrada por André Le Blanc e cada um dos exemplares trazia, extra texto, duas pranchas ilustradas a cores por Jurandyr Ubirajara Campos, o conhecido J.U. Campos. Essas ilustrações coloridas, caprichosamente pintadas, eram o deslumbre do jovem, que mais tarde se tornaria um verdadeiro garimpeiro da obra do pai da literatura infantil brasileira. Narizinho em diálogo com o Gato Félix, a turminha do Sítio montada no Quindim, a onça tentando abocanhar o Sacy, a casinha de Dona Benta com o mastro de São João, são lembranças ainda bem vivas pois as pranchas coloridas de J.U. Campos eram verdadeiras obras primas.

A outra coleção era de natureza mais popular, mais atrativa nas capas, todas elas elaboradas por Augustus, que Magno considera o maior capista de Monteiro Lobato. Augustus, na sua opinião, conseguiu cenas absolutamente cinematográficas desenhadas de modo a unir capa, lombada e contracapa, num todo impactante. Sua capa para Reinações de Narizinho, um grande close up das narinas da menina, é magistral, e tornou-se clássica. O miolo dessa coleção trazia as mesmas ilustrações do André Le Blanc, mas sem as pranchas coloridas de J.U.Campos”, destaca.

Magno, que desenha desde a infância, conta que todo esse deslumbre surgiu naturalmente, inclusive na época ele já se tornara uma espécie de desenhista oficial da pequena cidade de São Pedro dos Ferros.

Nasceu lá, naquela pequena biblioteca, a paixão de Magno Silveira por Monteiro Lobato, por seus livros, por seus ilustradores que, desde 1992, são objeto de sua coleção e pesquisa. Como sempre quis o escritor, eu realmente morei” – e ainda moro – em seus livros e, quando a vida se torna um tanto aborrecida, fujo imediatamente para o Picapau Amarelo onde tenho longas conversas com o Visconde de Sabugosa ao sabor do delicioso aroma que vem da cozinha de Tia Nastácia”, relata Magno.

Magno cursou desenho na Fundação Mineira de Arte e Artes Plásticas na Fundação Escola Guignard, em Belo Horizonte e Design Gráfico na Universidade Paulista, em São José dos Campos, cidade onde mora desde 1991 e há mais de 30 anos comanda com sucesso o Magno Studio Design & Branding, escritório especializado em design editorial, naming, design de embalagens, design gráfico e estratégico, branding, ilustração e websites.

Colecionando livros de Lobato, tem em seu acervo raras primeiras edições de obras infantis do escritor e em 2015 foi o curador da exposição Os Ilustradores de Lobato – a construção do livro infantil brasileiro, montada inicialmente no Sesc de São José dos Campos, em 2015, na qual exibiu uma seleção de desenhos de Voltolino, Kurt Wiese, Nino, Jean Villin, Belmonte, Rodolpho, Raphael de Lamo, J.U.Campos, André Le Blanc e Augustus, ilustradores escolhidos a dedo por Monteiro Lobato, entre os anos de 1920 e 1948. No ano passado esta mesma exposição teve uma versão pocket no Clube Athletico Paulistano, na capital paulista, celebrando os 30 anos do escritório Magno Studio Design.

Alma de bibliófilo e mãos de designer

Lançando um novo olhar sobre a obra infantil de Lobato, usualmente estudada por suas qualidades literárias e temáticas, Magno Silveira tem focado suas pesquisas nos ilustradores e nas soluções gráficas e editoriais que mudaram definitivamente o rumo dos livros para as crianças do Brasil. Com esse trabalho, destacando os ilustradores de Lobato, Magno iluminou também o rico universo artístico das primeiras décadas do século XX.

Com alma de bibliófilo (amante ou colecionador de livros raros e preciosos) e mãos de designer, a riqueza, a originalidade e o rigor dos arranjos expositivos dos trabalhos de Magno não demoraram a chamar a atenção das editoras. Hoje ele faz pesquisas iconográficas (estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens) textos e leitura crítica para as coleções lobatianas da Editora do Brasil e da Globo Livros.

Através de seu escritório, o designer, que também é ilustrador, apresenta em seu portfólio inúmeros projetos de livros, publicações e peças gráficas. Toda essa expertise, aliada ao mergulho técnico e emocional no universo das imagens dos livros de Lobato, levaram Magno ao júri da categoria capa do Prêmio Jabuti 2020.

A reprodução original de O Sacy, de Monteiro Lobato

Este ano Magno Silveira criou a Editora Graphien com o objetivo de levar aos leitores edições fac-similares das primeiras edições de obras da literatura brasileira, a começar por livros de Monteiro Lobato. O Sacy, uma primeira edição hoje raríssima, foi o primeiro lançado no dia 21 de Junho. Para maior fidelidade à impressão tipográfica, foram projetadas matrizesem computação gráfica minuciosamente elaboradas a partir da

análise e compreensão da capa original digitalizada em altíssima resolução”, explica o organizador.

O resultado, foram 1.500 exemplares de um livro impresso em papel importado Munken (150g), no formato original 23×30 cm, com capa dura, sobrecapa grafite e corte circular ao centro, que deixa aparente o detalhe da tricromia da capa original. Nas suas 68 páginas, a edição retrata com rigorosa fidelidade a obra original, trazendo em seu miolo um português de creanças” e hontem”, onomatopeias caipiras, como nhen, nhin” (rangido de pau de bandeira), lepte, lepte” (açoite com vara de marmelo) e vukt, vukt” (balanço em cipó).

O conhecimento minucioso de Magno sobre cada traço dos artistas escolhidos a dedo por Lobato, o mergulho nos contextos culturais das obras e a expertise no campo da produção gráfica estão refletidos nessa impecável edição fac-similar de O Sacy, um marco editorial no resgate de primeiras-edições brasileiras, que celebra os 101 anos dessa obra renovadora do escritor e inaugura o catálogo da recém-lançada editora.

Além do bibliófilo e designer Magno Silveira, a organização da obra contou com a participação de Marisa Lajolo, Vladimir Sacchetta e Cilza Carla Bignotto, estudiosos da obra do Lobato, que contribuíram com artigos especialmente preparados para a edição.

Para adquirir a edição fac-similar de O Sacy, basta clicar neste link: https://www.graphien.com.br/

Você também pode conhecer mais sobre Magno Silveira acessando o site https://bibliotecadovisconde.com.br/ ou seguindo o seu perfil no Instagram: https://www.instagram.com/magno_silveira/ ou no Facebook: https://www.facebook.com/mgn.silveira

 

 

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REFERÊNCIAS:

https://www.ovale.com.br/viver/noticias/30-anos-do-magno-studio-com-a-exposic-o-

De reinação em reinação – 100 anos de Narizinho

https://www.paulistano.org.br/noticias/exposicao-ilustradores-de-lobato-aberta-no-

https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,o-sacy-de-monteiro-lobato-ganha-

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