12 curiosidades da segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo na TV Globo

  1. No Natal de 2001, a pedido dos telespectadores, o programa teve alguns de seus episódios lançados em vídeo e DVD. Também foram colocados no mercado produtos infantis – bonecas, mochilas, cadernos, álbum de figurinhas etc. – com os personagens do Sítio do Picapau Amarelo.
     
  2. Em dezembro de 2001, foi apresentado um especial musical intitulado A Festa da Cuca, que teve a participação de todos os artistas da nova trilha sonora e de atores convidados, como Malu Mader no papel da Cuca.
     
  3. Um dos maiores desafios da nova temporada foi a caracterização da Cuca. Nos anos anteriores, a personagem usava uma fantasia de jacaré. Em 2007, seu visual foi elaborado por meio de maquiagem e figurino, uma tentativa de afastar a personagem de uma atmosfera de teatro infantil, aproximando-a de uma estética mais televisiva. Cuca continuou com sua textura de jacaré, mas ganhou ares de bruxa. Os dentes e as unhas de crocodilo usadas pela personagem foram feitos sob medida para a atriz Solange Couto pela equipe de efeitos especiais, formada por Ricardo Menezes, Glauco César e Cláudio Sampaio.
     
  4. A atriz Jacira Santos, que interpretou a Cuca na segunda versão do Sítio, fez parte do grupo Cem Modos, companhia gaúcha de teatro de bonecos, e foi uma das que vestiram a fantasia da cadela Priscila, estrela do infantil TV Colosso (1993), da Globo. Baiana, nascida no Pelourinho, em Salvador, ela assistia na TV a episódios da primeira versão do programa, quando criança. Tinha 28 anos quando integrou o elenco do infantil.
     
  5. Cininha de Paula, uma das diretoras dessa nova fase do Sítio do Picapau Amarelo, trabalhou como atriz na primeira versão do infantil, como intérprete da personagem Ofélia.
     
  6. Sito do Picapau Amarelo foi adaptado pela primeira vez para a televisão em 1952, na TV Tupi. O programa ficou 11 anos no ar e foi um grande sucesso da emissora. Em 1964, o infantil ganhou uma versão na TV Cultura de São Paulo e, em 1967, outra na TV Bandeirantes.
     
  7. Em 2009, o programa ganhou uma versão animada exibida na véspera do Natal; a nova versão ganhou duas temporadas em 2012 e 2013.
  8. Os cantores Wanessa Camargo e Supla entraram para o elenco principal da temporada e deram vida à Diana Dechamps, líder de uma banda de rock feminino, e Elvis McCartney, um guitarrista, que formavam um casal que enfrentou diversos obstáculos para ficarem juntos.
     
  9. O Visconde Sabugosa começou essa nova versão, parecendo ter mesmo o tamanho de um sabugo de milho. Mas no final de 2002, durante o episódio "Volta ao Reino das Águas Claras", o personagem voltou a ter o tamanho de uma pessoa normal após uma lata de fermento cair em cima dele. Durante os anos de 2001 até 2004, Visconde era interpretado pelo ator Cândido Damm, que nessa versão do Sítio deu um padrão de voz "bem grossa" ao personagem, padrão que seria seguido também pelos outros dois atores que interpretariam o Visconde nas temporadas seguintes, Aramis Trindade em 2005 e 2006, e Kiko Mascarenhas em 2007. A diferença entre a voz dos três atores era que o Visconde de Cândido Damm tinha o sotaque carioca, enquanto o Visconde de Aramis Trindade falava com um forte sotaque paulistano, o terceiro intérprete, Kiko Mascarenhas, também tentou manter o sotaque paulista que Aramis Trindade fazia para o personagem.
     
  10. Uma das coisas da série de 2001, mais diferentes das outras versões do Sítio para a televisão, é que a Tia Nastácia foi vivida por uma atriz mais magra, Dulcilene Moraes (conhecida como Dhu Moraes). Mas, a partir da 3ª temporada, a produção pediu que Dhu Moraes engordasse um pouco, e usasse um pouco de enchimento no vestido, pois a personagem Nastácia era mais conhecida popularmente sendo gorda, tanto em outras adaptações para televisão, quanto nas ilustrações dos livros. Contudo, na temporada 2005 o vestido com enchimento parou de ser usado, só voltando na temporada 2006, mas dessa vez mais bem confeccionado e realista.
     
  11. De 2001 à 2006 (com exceção de 2007) foram confeccionadas três fantasias de Cuca diferentes, que eram manipuladas por Jacira Santos. Na primeira temporada, a intenção era que a aparência da Cuca não ficasse assustadora demais para as crianças. O diretor Marcio Trigo disse que a personagem devia ter uma aparência má e assustadora, mas nem tanto, pois esta versão do Sítio estava mais direcionada ao público infantil; por esse motivo a personagem tinha
     
  12. um visual mais inofensivo, com rosto e cauda de jacaré, e corpo de mulher, com um vestido e capa de bruxa. Mas essa ideia foi mudando com o passar do tempo, e no ano de 2003, a aparência da personagem foi reformulada, dando a ela "cabelos reais" e mais compridos, além de deixá-la mais gorda e com uma personalidade mais cruel. Outra mudança no corpo da personagem ocorreria no ano de 2005, deixando-a menos vaidosa, e mais parecida com a Cuca do folclore. Ela passaria a ser mais perversa e com traços mais aterrorizantes, perdendo o "corpo de humana" e ganhando um "barrigão" listrado de réptil.
     
  13. Uma outra ideia inicial dessa segunda versão, que foi sendo deixada de lado com o tempo, era mostrar algumas vezes objetos e máquinas dos tempos atuais. Para isso, em algumas cenas apareciam Dona Benta tentando convencer Tia Nastácia da utilidade de alguns novos utensílios que ela havia encomendado para sua cozinha, como freezer e microondas. Outro elemento moderno adicionado ao Sítio em 2001 era o fato de Dona Benta ter comprado um computador para a sua biblioteca, para poder se comunicar com sua filha Antonica que mora na cidade. Porém, a série também mostrava Dona Benta meio chateada pelo fato de que após a chegada do computador, Pedrinho só lhe enviava e-mails (quando estava na cidade grande), e não havia lhe escrito mais cartas, que ela dizia apreciar mais ao recebê-las. As modernidades, contudo, não permaneceram muito tempo sendo usadas no Sítio, pois a partir da temporada de 2003 o computador foi deixando de ser usado, até "desaparecer" por completo das histórias. Assim também como o microondas e outros utensílios modernos, que foram sendo abandonados da cozinha de Tia Nastácia. Algumas temporadas depois, a única modernidade que sobrou na cozinha do Sítio foi apenas a geladeira (na versão dos anos 70, uma das poucas máquinas mais "modernas" ou comuns daquela época que já foram usadas no Sítio, foi a televisão, que não aparece nos livros de Lobato).

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FONTES DE PESQUISA:

https://memoriaglobo.globo.com/entretenimento/infantojuvenil/sitio-do-picapau-amarelo-2a-

https://www.wikiwand.com/pt/S%C3%ADtio_do_Picapau_Amarelo_(2001)#/overview

http://paradatemporal.blogspot.com/2017/10/sitio-do-picapau-amarelo-versao-2001.html

Monteiro Lobato: rasgado, queimado, cancelado e imprescindível

Escritor, já muito atacado no passado sob pretexto de veicular ideias evolucionistas e socialistas, tem mais recentemente sido acusado de racismo. Mas simplesmente banir seus textos das salas de aula e espaços de discussão é renunciar a debater uma obra prenhe de criatividade, inventividade e criticidade.

Autor: 

E Lobato continua “causando”…

Com mais de 70 anos já transcorridos desde a morte de seu criador, os personagens infantis de Monteiro Lobato circulam por leituras polêmicas e atuais dentro e fora da escola. Considerado um divisor de águas na produção literária para crianças, Lobato legou à posteridade textos que, em diferentes situações, suscitaram seu intenso reconhecimento tanto por parte do público leitor, quanto da crítica especializada. Da mesma forma, porém, a polêmica se tornou elemento indissociável desse reconhecimento, o que chega, junto com a ininterrupta edição de seus textos infantis, aos leitores de hoje.

Sobre seus livros para crianças, há pouco mais de uma década, em capítulo intitulado “Monteiro Lobato, um clássico para crianças”, respondíamos à questão: O que há de tão atrativo no Sítio do Picapau Amarelo? Ou, em outras palavras, por que Pedrinho, Narizinho e Emília, principalmente Emília, continuam tão presentes no imaginário infantil brasileiro? Ainda de outro modo: como Lobato fez esta mágica que, embora muitas vezes explicada nos mínimos detalhes pelos mais “maduros”, continua encantando os “menos experientes”? Indagações como essas não têm faltado aos pesquisadores e demais leitores especializados ao longo dos anos. Perguntas impossíveis de serem respondidas em um só texto ou mesmo em muitos outros trabalhos que vêm tentando, no mínimo, tangenciar as mil e uma questões instauradas pela obra de Lobato.

Um escritor publicista

As contradições vão se acirrando ao longo do texto lobatiano, que, ao contrário de seus pares, não se limita a reproduzir, em forma de antologia asséptica, as histórias que Tia Nastácia conta. Lobato reproduz a história encenando a situação de narração e recepção, pondo, pois, em confronto o mundo da cultura negra do qual, no caso, Tia Nastácia é legítima porta-voz, e o mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto as crianças como a própria Dona Benta, também ela ouvinte de Tia Nastácia e também ela insatisfeita com as histórias que ouve (…).

A partir dos anos 1980, foram consolidados estudos sistemáticos sobre a literatura infantil e juvenil brasileira. Nesse contexto, a figura de Lobato se mostra central, trazendo como foco desses trabalhos a discussão de aspectos temáticos relevantes, como aponta Marisa Lajolo em artigo de 1988, “A figura do negro em Monteiro Lobato”, ao abordar Histórias de Tia Nastácia:

Um artigo como esse mostra, ao leitor de hoje, que os estudos sistemáticos sobre a obra de Monteiro Lobato têm sido realizados de forma séria, sem ceder a simples opiniões ou questão de gosto. Por isso mesmo, muitos temas que ocupam o centro de polêmicas em diferentes ambientes sociais ou veículos de comunicação nunca foram desconhecidos daqueles que estudam a obra do escritor.

Assim, em texto mais recente, intitulado “Provocações à longeva Botocúndia: Monteiro Lobato e Urupês”, de 2018, publicado em número da revista Leitura em revista em que se comemorava uma efeméride literária – 70 anos sem Lobato, destacávamos a verve crítica lobatiana. Lembramos, então, que isso foi  um dos aspectos que chamou a atenção de José Guilherme Merquior ao atribuir a Lobato a identidade de “publicista” – “um escritor que discute problemas de interesse público, de interesse coletivo”. Acrescenta o autor, ainda, que é esse o perfil que poderíamos relacionar a certo tipo de jornalismo engajado que “não só discute temas de evidente interesse coletivo como o faz dentro de uma linguagem que sistematicamente aspira a uma comunicação com o grande público”.   

Amante de boas brigas

A exposição decorrente desta atividade, na qual Lobato via oportunidade para divulgar seus livros, levaria a uma visibilidade cotidiana ou mesmo à imagem pública de alguém que se colocava disponível ao debate, à discussão, à divergência. A partir dos jornais de sua época, Lobato lançaria questionamentos e reflexões contundentes, provocativas, na expectativa de influenciar ações em seu contexto social. Como aponta Sueli Cassal, o envolvimento de Lobato com grandes causas era movido por um desejo utópico de uma nação desenvolvida, muita próxima da situação econômica dos Estados Unidos, o que seria possível mediante a valorização do conhecimento científico.

“Não deixaria por menos uma boa briga”, poderia ser uma expressão para definir Lobato. “Boas brigas” foram as campanhas por necessidades básicas dos brasileiros, como a do saneamento, de 1918, em que acompanhou médicos sanitaristas, colocando-se a serviço da denúncia em uma séria de matérias sobre moléstias (verminoses, na maioria) que atingiam a população paulista de modo vergonhoso. Seu empenho como adido comercial nos anos 1930, para dar ferro ao Brasil, isto é, para incentivar a produção nacional, bem como sua ação tanto como publicista quanto empresário para desenvolver a exploração do petróleo, se refletiam em artigos e livros. A obra infantil não deixaria, evidentemente, de refletir essas experiências, algumas posteriores, outras concomitantes a atividades de editor, empresário, publicista.

O leitor infantil surge, então, como um destinatário de suas expectativas – aliás, como em todo texto, na obra infantil é evidente que se projeta uma ideia de leitor. Um suposto leitor neutro, raso, manipulável não estava na mira dos livros de Lobato. Ao não subestimar seu destinatário criança, o escritor convidava esse leitor infantil a pensar o mundo ao seu redor por meio de um trabalho inventivo e consciente com o texto literário. Os rompantes de contrariedade de diferentes grupos em diferentes momentos iriam atestar, ainda que de modo inusitado, a relevância daquele labor literário ao longo do tempo e das gerações.

Darwinismo e socialismo

Nos anos 1950, uma obra, em particular, se tornaria paradigmática desse tipo de abordagem polêmica e acusatória, realizando uma interpretação bibliográfica de Lobato cujo título encerra, por si só, um entendimento notoriamente avesso para com as lutas por ele travadas no campo econômico: A literatura infantil de Monteiro Lobato ou Comunismo para Crianças, do Padre Sales Brasil.

O autor projeta sobre a obra infantil temas que, de longe, estariam no centro da proposta lobatiana de formação de leitores, como é o caso da ausência de conteúdos religiosos propensos a reafirmar a identidade católica brasileira. Mais do que as ausências, o autor do estudo busca pistas em livros como A chave do tamanho, de 1942, sobre ideologias danosas à moral das crianças. É dessa forma que entende a miniaturização dos personagens como a extinção de classes sociais, isto é, em A chave do tamanho haveria uma propaganda dos benefícios de uma sociedade comunista: “é o seguinte: quando todos os homens chegarem ao mesmo tamanho (nivelamento das classes sociais), então não haverá sobre a terra nem injustiça nem certos preconceitos”.

 

Ao lembrarmos do texto do padre Sales Brasil, percebemos que a fantasia, a inteligência e a criticidade são ignoradas como excepcionais qualidades da obra de Lobato e rebaixadas segundo uma inegável visão obscurantista.  Em outro trecho, outra denúncia: “Trata-se, evidentemente, da luta pela vida, segundo Darwin, aplicada ao campo sociológico pela teoria da seleção natural, de Spencer, ambas aproveitadas pela filosofia marxista-leninista e feitas balinhas de doce na literatura infantil de Monteiro Lobato”.

Aos olhos de hoje, a obra do padre Sales Brasil pode parecer um brandir de armas desnecessário, exagerado, até mesmo risível para muitos. Entretanto, a fórmula do “cancelamento” dos anos 1950 mostra-se ainda presente nas primeiras décadas do século 21, agora reportando-se à questão do racismo, que é pauta fundamental e premente, mas que tem sido associada a Lobato, na maioria das vezes, de forma ligeira, rasa, equivocada.

No centro dos debates, tivemos o conto “Negrinha” e a obra Caçadas de Pedrinho, a partir de 2010, como objeto de representação junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e, também, à Controladoria Geral da União (CGU). O questionamento se debruçava sobre expressões que atentariam contra um item do edital do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), qual seja, a presença de estereótipos ou discriminação nas obras adquiridas pelo programa.

Entre propostas de inserção de notas de rodapé ou mesmo refacção das narrativas, a intensidade dos debates atestou a complexidade do tema, convidando aqueles dedicados aos estudos sobre a obra lobatiana a se manifestarem. Como comentou Marisa Lajolo – em manifestação pública por meio de um artigo intitulado “Quem paga a música escolhe a dança?”, de 2010 – vivenciar debates sobre a literatura e a formação dos leitores na escola equivalia a um reconhecimento público sobre o assunto, bem como da própria obra: “Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, está em pauta e é bom que esteja, pois é um livro maravilhoso”.

Acusações de racismo e debate

O debate, porém, nem sempre tem se dado em campos mais profícuos de ideias, conceitos e ideologias. Ao avocar os escritos lobatianos em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em janeiro de 2021, Marcelo Coelho defendeu que “Pode ser chato saber disso, mas Monteiro Lobato era de um racismo delirante”, reeditando aspectos que há muito deveriam ter sido superados frente à qualidade dos debates em torno da obra lobatiana em curso já há mais de uma década, como a busca de “provas” descontextualizadas do pressuposto racismo de Lobato, não apenas em sua obra mas no interior de sua correspondência pessoal.

 Felizmente, a réplica não tardou, pois outra pesquisadora de Lobato, Ana Lúcia Brandão, veio a público em defesa do escritor, no mesmo jornal e em data muito próxima, com o artigo “ ‘Racismo delirante’ é tratamento grotesco, Monteiro Lobato merece respeito”. Entre muitos apontamentos, lembra seus leitores de que “Levar ao pé da letra palavras ou frases de uma mensagem pessoal entre amigos, para classificar um deles como “racista” revela uma enorme incompreensão do que significa a crítica literária”.

De alma lavada, o leitor lobatiano pode seguir de braços dados com Lobato. Entretanto, não se trata de vencer uma discussão ou ganhar o pódio da verdade. Como obra literária, os escritos de Lobato comportam questionamentos, dúvidas, discordâncias. Em evento acadêmico recente, em que discutíamos a obra do escritor, chamou nossa atenção uma fala de um aluno de graduação, cujo apontamento sustentava-se por meio da ideia de que Monteiro Lobato não o representava como cidadão, sujeito, pessoa imbuída e reconhecida como portadora de direitos fundamentais.

 

Caçadas de Pedrinho, de 1939, uma das obras no centro do debate sobre racismo

É importante esclarecer que nenhuma das ponderações desse estudante pode ser considerada irrelevante para a discussão, assim como é possível compreender o tom de agressividade de suas primeiras manifestações, face ao momento em que se dá o eternamente adiado debate sobre o racismo no Brasil. Nem ainda poderíamos discordar de que não só de Lobato se formam leitores!

O que parece um “problema” ou algo a se lamentar, porém, é o fechamento do interlocutor a textos cujas ideias continuam a contribuir para a formação inequívoca de leitores críticos mais autônomos e audaciosos em suas incursões pelo mundo da literatura. A conversa que travamos com aquele aluno, portanto, não mirava uma desqualificação de seu discurso ou certo menosprezo da intelectualidade por um suposto modismo ideológico. Ao contrário do que se poderia supor, as questões às quais nosso interlocutor se apegava com pertinência e propriedade, são essas mesmas questões que convidam à leitura da obra lobatiana, reitere-se.

É neste ponto que encerramos nosso convite irrestrito à leitura da obra infantil de Lobato. As polêmicas atestam, tanto pelo conjunto de argumentos e exposições, quanto pela presença de seus livros nas mãos de crianças do século 21, a vitalidade de suas narrativas. Presença que deve ser lembrada, sobretudo, agora que a obra do autor se encontra em domínio público e surgem inúmeras edições em papel e digitais de seus textos. O reconhecimento da amplitude e da intensidade de muitos temas, assuntos ou fatos presentes em suas histórias permite a discussão também ampla, aberta e, por que não, profunda desses temas, dos mais aos menos polêmicos. Se há, portanto, uma posição a assumir, ela se configura na busca por preservar a leitura de obras marcadas pela criatividade, inventividade e criticidade.

Cancelar Lobato, portanto, é queimar um ramo literário em que aquela tríade – criatividade, inventividade e criticidade – constitui grande probabilidade de servir a consciências imbuídas de utopias ainda tão caras à sociedade de nosso tempo.

Imagens acima: reprodução.

Autor
Créditos: https://jornal.unesp.br/2022/02/25/monteiro-lobato-rasgado-queimado-cancelado-e-imprescindivel/

Um elenco recheado de estrelas e de novos talentos na segunda versão do Sítio na TV Globo

 

Emília, Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, tia Nastácia, Visconde de Sabugosa, Saci e até a assustadora Cuca. Esses e muitos outros personagens que fazem parte do imaginário infantil de gerações que se encantaram com a magia do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

 

Exatamente no dia 12 de outubro de 2001 estreava na TV Globo, a segunda versão do programa infantil, baseado na obra de Monteiro Lobato, produzido pela emissora.

 

Grandes nomes tiveram a oportunidade de emprestar seus talentos para dar vida aos personagens do imaginário Lobatiano nessa segunda versão do Sítio na Globo. Novos talentos surgiram a partir do programa, bem como algumas estrelas fizeram participações especiais ao longo das sete temporadas dessa versão iniciada em 2001.

 

Confira algumas das estrelas que participaram dessa segunda versão Global e ajudaram a fazer do Sítio do Pica-Pau Amarelo, um dos programas infantis mais importantes e premiados da televisão brasileira:

 

  • Dona Benta: Nicette Bruno (2001-2004); Suely Franco (2005-2006) e Bete Mendes (2007)

  • Tia Nastácia: Dhu Moraes (2001-2006); e Rosa Marya Colin (2007)

  • Narizinho: Lara Rodrigues (2001-2003); Caroline Molinari (2004-2005); Amanda Diniz (2006); e Raquel de Queiroz (2007)

  • Pedrinho: César Cardareiro (2001-2003); João Vitor da Silva (2004-2005); Rodolfo Valente (2006); e Vitor Mayer (2007)

  • Emília: Isabelle Drummond (2001-2006); e Tatyane Goulart (2007)

  • Visconde de Sabugosa: Cândido Damm (2001-2004); Aramis Trindade (2005-2006) e Kiko Mascarenhas (2007)

  • Saci Pererê: Izak Dahora (2001-2006); e Fabrício Boliveira (2007)

  • Cuca: Jacira Santos (2001 a 2006); e Solange Couto (2007)

 

O elenco inicial da nova versão era formado por Nicette Bruno (Dona Benta), Dhu Moraes (Tia Nastácia), João Acaiabe (Tio Barnabé), César Cardadeiro (Pedrinho), Lara Rodrigues (Narizinho), Isabelle Drummond (Emília), Cândido Damm (Visconde de Sabugosa), Izak Dahora (Saci), Jacira Santos (Cuca), Aline Mendonça (Marquês de Rabicó), Zé Clayton (Burro Falante) e Sidnei Beckencamp (Quindim). O programa contava com ainda com a participação especial de Ary Fontoura (Coronel Teodorico).

 

Em setembro de 2002, novos atores integraram o elenco das novas aventuras da turma do Sítio do Picapau Amarelo, como Antonio Calloni, Elizabeth Savala, Henrique Ramiro e Zezé Polessa. Além disso, o programa recebia convidados, entre eles os atores Ney Latorraca, Fernanda Rodrigues, Leonardo Brício, Lilia Cabral, Maria Luisa Mendonça, Rodrigo Faro, Samara Felippo, Susana Werner, Márcio Kieling e Bussunda, que interpretou na trama o gênio da lâmpada de Aladin.

 

Chico Anysio, Ary Fontoura, Humberto Carrão, Eri Johnson, Nelson Xavier e Agildo Ribeiro também participaram da segunda versão do ‘Sítio do Picapau Amarelo’ na TV Globo.

 

Um dos nomes que estreou na segunda versão do “Sítio” foi o do ator Paulo Gustavo, que em 2007 interpretou Lupicíneo, um delegado que vivia atrás de um lobisomem, sem saber que ele próprio era o monstro.

AS MULHERES DA VIDA DE LOBATO

Por Cleo Monteiro Lobato

“A mulher não é inferior nem superior ao homem. É diferente. No dia em que compreendemos isso a fundo, muitos mal-entendidos desaparecerão da face da Terra.”

Esse pensamento reforça a tese de que o escritor Monteiro Lobato era de fato um homem muito à frente do seu tempo. Nascido em 1882, na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo, José Bento ou simplesmente ‘Monteiro Lobato’, era um visionário que valorizava a observação cuidadosa do ambiente que o rodeava, fruto da influência das teorias cientificistas do início do século XX e que tinha plena consciência do seu papel social. Em comemoração ao dia internacional da mulher, vamos conhecer um pouco das mulheres que fizeram parte da vida de Lobato, que conviveram com o escritor: Anacleta do Amor Divino, avó materna; Olympia Augusta Monteiro, mãe de Lobato; Purezinha Monteiro Lobato, sua esposa; Martha Lobato Campos, filha mais velha; Ruth Monteiro Lobato, filha mais nova; e Joyce Campos Kornbluh, neta do escritor. Todas conheceram e conviveram com Lobato e apesar de nascidas numa sociedade extremamente patriarcal, sempre foram muito fortes, de opiniões marcantes e principalmente extremamente apaixonadas pela vida. As memorias a seguir me foram contadas em parte pela minha mãe, Joyce nesses últimos anos que venho me esforçando para colher o máximo das memórias da minha mãe sobre Lobato a minha familia.

Anacleta do Amor Divino

Mamãe sempre me contou que a avó materna de Lobato foi uma figura importante na história do escritor.  Ela não foi casada com o avô de Lobato, José Francisco, que mais tarde se tornaria o Visconde de Tremembé e era na verdade sua amante, num romance iniciado quando ele tinha 20 anos de idade. Juntos tiveram três filhos: a mãe de Lobato e mais dois irmãos.

Apesar de não ser casado com Anacleta, o Visconde reconheceu seus três filhos, garantiu a educação de todos e os fez herdeiros, sem se importar com as o falatório alheio ou as convenções da época.
Por não ser a esposa oficial do Visconde, Anacleta não pode estar presente no nascimento do seu primeiro neto, Juca (apelido familiar de Lobato), porque o Visconde já havia se casado com Maria Belmira de França Monteiro, que se tornou a Viscondessa de Tremembé. Mesmo assim, Anacleta manteve uma relação intensa e amorosa com a filha e com seu neto, trocando cartas regularmente e o vendo sempre que possível.
Apesar de todo o preconceito sofrido, ela foi professora, dando aulas particulares de primeiras letras em sua própria casa. A relação entre Anacleta, Olympia e seu neto Juca sempre foi muito amorosa e forte até ela falecer em 1906, quando Monteiro Lobato tinha 24 anos.

Por um daqueles absurdos que marcaram a nossa história, Anacleta não pode ser enterrada no cemitério oficial de Taubaté, pelo simples fato de ser mãe solteira e as regras da igreja não o permitirem na época. 
Mamãe sempre se refere a Anacleta como a mais forte da linhagem feminina que conviveu com o escritor, pois conseguiu viver de modo independente, constituiu carreira, juntou posses, manteve relacionamento com seus filhos e netos, além de ver seus filhos legitimados e seus três netos como herdeiros do Visconde de Tremembé. Sem dúvida, uma mulher formidável para o seu tempo.

Olympia Augusto Monteiro

Filha de Anacleta com o Visconde de Tremembé, Olympia nasceu em Taubaté, em 1856 e casou-se com José Bento Marcondes Lobato. Mamãe conta que a mãe de Monteiro Lobato, era extremamente amorosa, paciente e doce. Ensinou o filho e suas duas irmãs a ler cedo e manteve longa correspondência com seu filho, pois Olympia logo ficou doente de tuberculose e passou longos períodos convalescendo.  Olympia tocava piano e também tinha propriedades próprias.

Em cartas amorosas escritas à sua mãe, Lobato relata o período em que foi morar e estudar na capital paulista, com apenas 14 anos de idade, correspondência esta que mantiveram assiduamente até ela falecer ainda jovem, aos 40 anos, vítima de tuberculose em 22 de junho de 1899.

Menos independente, mais adequada às normas sociais da sua época, de saude frágil, Olympia cumpriu o propósito de produzir e criar um herdeiro para seu pai, o Visconde de acordo com a visão de minha mãe, Joyce.

Judith Monteiro Lobato

Mamãe sempre se refere a Judith, a irmã mais nova de Lobato, nascida em 1884, com admiração.  Ela era aventureira, apaixonada, sonhadora, romântica e muito bonita. Tanto Judith quanto Esther estudaram num colégio interno de freiras em Taubaté onde aprontavam terrivelmente e só não foram expulsas por que o Visconde pagava extra cada vez que as irmãs aprontavam.

Mamãe conta que Judith era muito namoradeira e sempre ficava na janela flertando. Certa vez se apaixonou por um estudante (ou seminarista, mamãe não tem certeza) que passava duas vezes por dia debaixo de sua janela. Importante frisar que namoro naquela época, era sempre da janela com olhares e bilhetinhos. Foi uma paixão intensa e proibida e logo o rapaz a convidou para fugirem juntos para bem longe de Taubaté a fim de viverem plenamente o amor. Mas os apaixonados decidiram fazer um pacto e morrer juntos para desfrutar daquele amor impossível em outro mundo, sem empecilhos. Mamãe conta que chegaram a acertar data e horário, mas no dia marcado, Judith perdeu a hora e não cumpriu com o combinado. Ela ainda foi até a casa do rapaz para tentar impedir o ato, mas não conseguiu chegar a tempo e ele de fato se matou. 

O Visconde teve de esconder Judith por um bom tempo, chegou a arranjar um casamento com um amigo seu, mais velho do que ela chamado Luis Cursino. Dessa união nasceram dois filhos que ela amava cuidar dos cachinhos e sempre os vestia como príncipes, com golinhas de renda.  Mas nem o casamento ou os filhos impediram Judith de viver uma vida cheia de ‘emoções’. Quando o marido estava na cidade e Judith na fazenda, ela conheceu um caixeiro viajante e abandonou seu esposo e seus dois filhos para fugir para a cidade de Santos. Com esse caixeiro teve mais um filho, Faustinho, que mamãe conheceu e com quem brincou.

Judith montou uma pensão em Santos e vivia de alugar quartos e fazer marmitas. Aparecia ocasionalmente. Certa vez, apareceu na casa de minha avó Martha (sua cunhada), pedindo dinheiro para pagar uma conta de luz com urgência. Martha emprestou o dinheiro e Judith saiu às pressas, voltando meia hora depois com um buquê de rosas lindo (mamãe se lembra do buquê) que deu de presente à Martha numa demonstração de gratidão pela ajuda recebida. Quanto a conta? Judith disse que não pagou e que se viraria depois.

Assim era Judith, mulher romântica e sonhadora, de acordo com as memórias de minha mãe. Apesar do caso do pacto de suicídio não ser confirmado, o restante desta narrativa é verídico, inclusive o fato de seu primeiro marido Luís Cursino ter ficado com toda a herança que o Visconde havia deixado para ela. Judith morreu muito pobre em Santos e ninguém da familia sabe onde fo enterrada.

Esther Monteiro Lobato de Moraes

Nascida em 1886, na cidade de Taubaté, Esther, ou Teca como todos a conheciam, era a irmã do meio de Monteiro Lobato. Mamãe a descreve como uma mulher durona, de raros sorrisos, que viveu de modo independente, costurando e cozinhando para fora, quitutes e doces que fizeram a sua fama de cozinheira de mão cheia. Era auto suficiente e feminista já naqueles tempos. A matriarca do seu ramo da familia.

Teca se recusou a casar com todos os pretendentes escolhidos pelo Visconde e só se casou com um amigo de Lobato chamado Heitor de Moraes, que era poeta e jornalista em Santos. Entretanto, logo as diferenças entre os dois afloraram. Esther era uma mulher prática, enquanto Heitor era um sonhador que adorava frequentar os saraus literários da época, mas que sofria de depressão. Apesar disso, dessa união nasceu, em 1912, Gulnara de Moraes única filha do casal.

De acordo com mamãe o casal vivia muito acima de suas posses e gastaram toda a herança recebida por Teca, do Visconde. Sem recursos, ela recorreu a Lobato em busca de um emprego para o marido que começou a trabalhar como diretor de em cartório em São Paulo. A família se mudou para a capital paulista, mas Heitor não se adaptou com a nova vida longe dos amigos, das noitadas e sem tempo para escrever seus poemas. O relacionamento do casal piorou e a depressão de Heitor se agravou, até que em 1936 depois de uma briga terrível ele se suicidou com um tiro no peito.

Teca jamais se casou novamente. Passou a viver para sua filha Gulnara (que tambem ficara viuva de Edgard muito cedo) e seu neto Rodrigo. As duas se mudaram para Tremembé e Teca passou a sustentar a todos costurando fantasias de carnaval incríveis para uma clientela da alta sociedade e essas criações extraordinárias de vestidos diferentes e criativos lhe garantiam uma boa renda.
De acordo com mamãe, Teca foi responsável pelo namoro e casamento de sua filha Gulnara com Edgar, seu sobrinho, filho de Lobato. Tudo aconteceu porque logo depois de combater na Revolução de ’30 ou ’32, Edgard contraiu tuberculose e como a família inteira estava nos EUA por conta do trabalhou de Monteiro Lobato como adido comercial, Teca o acolheu e colocou sua filha Gulnara para tratar dele. Daí nasceu o namoro que logo virou casamento, mesmo a contragosto de Purezinha, mãe de Edgard.

Teca foi responsável por uma das melhores memórias de infância da minha mãe. Naquele tempo não era costume dar presente de aniversario, mas mamãe se lembra do melhor presente que ela ganhou na vida. Foi um cachorro deitado, feito inteiramente de fios de ovos por Tia Teca. 

Maria da Pureza Gouveia Natividade

Purezinha (nome que assinava em sua correspondência), esposa de Lobato, foi uma das mulheres mais fortes e marcantes da família com enorme influência sobre seu marido.
Nascida em 1885, de uma família tradicional de educadores homens, a professora Maria da Pureza de Gouvêa Natividade, era filha de Francisco Marcondes Gouvêa Natividade, professor em um curso Anexo à Faculdade de Direito em São Paulo e neta do famoso Dr. Antonio Quirino Souza, professor em Taubaté, que inclusive foi mestre de Monteiro Lobato.
Purezinha viveu cercada de professores, escritores, abolicionistas e intelectuais.

O magistério era considerado na época, uma profissão de vanguarda para as mulheres e a escolha pode ter sido resultado da influência do pai e do avô. Mas, talvez também se inclua, entre os fatores que levaram Purezinha a se tornar professora, um certo veio politicamente engajado de seu tio (irmão de seu avô Dr. Quirino), o abolicionista Antonio Bento (1843-1898), famoso pela luta contra a escravidão e a interceptação de escravos. 

Purezinha e Lobato se casaram em 1908 enquanto ele era promotor em Areias. Tiveram 4 filhos: Martha, Edgar, Guilherme e Ruth.
Purezinha deixou de lecionar para se dedicar aos cuidados da casa e à educação dos filhos, pois Lobato era incansável sempre com novos planos e mudanças.  De Areias se mudaram para a Fazenda do Buquira, herdada após a morte do Visconde e depois de vender a fazenda se mudaram para São Paulo, onde Lobato abriu a Companhia Editora Nacional e depois para o Rio de Janeiro. Ela tinha por hábito ler histórias para seus filhos e foi justamente observando essas experiências de leitura, que Monteiro Lobato se motivou para escrever um mundo de livros para meninos e meninas.

Muitos não sabem, mas Purezinha foi muito importante para a carreira do marido escritor. De forma imperceptível, ao longo dos anos, ela esteve presente na obra de Lobato. Lia seus textos, sugeria alterações e os corrigia com a crítica aguçada de uma professora. Ele escreve que a opinião de Purezinha era a única na qual confiava. Durante sua vida foi companheira integral de Lobato e mamãe conta o quanto ela “sofria” com a energia constante dele. Nos jantares que davam para conseguir investidores para sua companhia de petróleo, Lobato não se sentava, mas costumava andar em volta da mesa falando e gesticulando com seu garfo e de vez em quando pegando um pedaço de comida do prato de Purezinha. Esse é só um detalhe engraçado que demonstra a energia constante de Lobato. Porém o esforço de te cuidado de dois filhos que faleceram de tuberculose e ainda acompanhar a genialidade de Lobato em suas empreitadas, envelheceu minha bisavó muito cedo.

Durante sua vida colecionou e organizou todas as matérias de jornais que saiam sobre Lobato e depois de sua morte, doou seus famosos álbuns de recortes de jornais, além das roupas, chapéu, costela, mesa e outros pertences para a Biblioteca Monteiro Lobato. Alem disso após a morte do meu bisavô, passou a lutar junto com os amigos de e sua filha mais nova, Ruth,  para conseguir que a Semana Monteiro Lobato se tornasse realidade. 
Ela faleceu aos 73 anos, de câncer no cérebro no dia 27 de abril de 1959 e foi enterrada ao lado do marido no Cemitério da Consolação em São Paulo, tendo conseguido ver o legado do escritor consolidado na Semana Monteiro Lobato em 1955.

Martha Lobato Campos

A filha mais velha de Lobato, nasceu em 1909 e foi a única dos filhos que descobriu um jeito de sobreviver à exaustiva genialidade e à loucura produtiva de seu pai.
Martha construiu um mundo paralelo de romance, namoricos e fofocas, onde viveu por toda a vida, sem jamais se preocupar com dinheiro ou com questões tidas como ‘mais importantes’. Minha avó Martha não completou o ensino secundário pois na época a família se mudou para Nova York e ela jamais aprendeu inglês.

Se casou escondida de sua mãe Purezinha, aos 17 anos, com Jurandir Ubirajara Campos, logo após se conhecerem em Nova Iorque, onde Lobato foi ser adido comercial e menos de um ano depois deu a luz a mamãe, Joyce Campos. Sempre fez questão de deixar claro que não tinha jeito para a maternidade e continuou levando a vida como se não tivesse uma filha, cabendo ao meu avô, Jurandir e a Purezinha, assumir o papel materno.
Teve uma relação muito complicada com minha mãe que teve que conviver com essa rejeição. Martha adorava fazer palavras cruzadas em italiano e em português e até escreveu um livro de palavras cruzadas que foi editado pela Companhia Editora Nacional. Vivia na rua, adorava fumar, jogar cartas (pôquer, canastra, tranca, buraco, paciência, crapô, qualquer coisa com baralho) e conversar longas horas ao telefone para saber das notícias. Gostava de reunir seus amigos e parentes em casa para o almoço de domingo e rodadas de pôquer. Quando pergunto a mamãe sobre suas memórias de minha avó, mamãe costuma dizer que vovó só fazia palavras cruzadas, ou então se lembra de sua mãe vestindo e fazendo maquiagem para sair para ir passear.

Das mulheres da família que conheceram Lobato, eu tenho a impressão que minha avó Martha foi certamente a menos ambiciosa e a mais alienada de todas. Jamais trabalhou, sempre viveu de direitos autorais. O casamento ainda jovem, foi o modo que encontrou para resolver o seu problema de independência e assim viver no seu mundo paralelo até falecer em casa em 1995, aos 86 anos de idade.

Gulnara Monteiro Lobato de Morais Pereira

Sobrinha de Monteiro Lobato, filha de sua irmã, Esther (Teca) e do poeta Heitor de Morais, nasceu em 1912. Era três anos mais velha que sua prima irmã Martha, com quem cresceu, eram muito amigas, pularam juntas muitos carnavais.

Em 1934, Gulnara se casou com o irmão de Martha, filho de Lobato, chamado Edgard e quatro anos depois nascia Rodrigo Monteiro Lobato, fruto dessa união. Edgard faleceu muito cedo, vítima de tuberculose, no ano de 1943, quando Gulnara tinha apenas 31 anos e seu filho Rodrigo apenas 6.

Foi um período difícil para todos e Esther, com a sua força, sustentou a família, costurando e cozinhando para fora.

Logo após a morte de Edgard a família de Lobato passou por um período voltado ao espiritismo, onde todos se reuniam na chácara de Tremembé para fazer sessões espíritas na tentativa de se comunicarem com Edgar e Guilherme (também falecido). Nessas sessões era Lobato quem fazia as atas.

Cerca de três anos após ter ficado viúva, Gulnara se casou com o escritor Antonio Olavo Pereira com quem teve outro filho, Tolavito (Antonio Olavo Pereira Jr) e conviveu por quarenta anos, morando no bairro da Aclimação, em Sao Paulo pertinho de nós.

Gulnara dominava o idioma inglês e ajudava Lobato nas traduções e revisões de textos junto com Ruth, continuando a trabalhar como tradutora após a morte do escritor.
Em 1982 ela escreveu uma biografia de Monteiro Lobato chamada ‘O Menino Juca’, que foi publicada com belíssimas ilustrações de Rui de Oliveira.
Faleceu em São Paulo, no dia 27 de agosto de 1986.

Ruth Monteiro Lobato

A filha mais nova de Lobato e Purezinha, nasceu em 1916 em meio a Primeira Guerra Mundial.
Dos filhos do casal, mamãe conta que Ruth foi a que herdou a inteligência, o dinamismo a curiosidade e a energia de seu pai. Foi a primeira mulher da família a aprender a dirigir, teve diversos carros, usava calça comprida, fumava muito, e absolutamente não gostava de crianças. Mamãe adorava Ruth e a seguia por toda parte, quase a enlouquecendo, afinal era 14 anos mais velha que ela.

Mamãe conta que Ruth teve muitos namorados, mas sempre inventava uma razão para não se casar. Dizia que queria morar em casas separadas após o casamento ou que só poderia casar depois que a mãe morresse.
Ruth morou com os pais a vida toda e após a morte de Lobato, quando tinha 32 anos de idade, continuou a morar com sua mãe, Purezinha, passando a ajuda-la a tomar conta dos direitos autorais de Lobato. Os móveis do Visconde que haviam acompanhado Lobato desde que herdara a fazenda passaram para o apartamento de Ruth.

Com o falecimento da mãe, em 1959, Ruth continuou a morar sozinha na Rua das Palmeiras, tendo apenas a companhia de sua gata e se manteve como responsável pelos direitos autorais de Lobato, enquanto Martha, sua irmã mais velha, fazia a parte pública de aparecer nas celebrações e homenagens ao escritor.

Na opinião de minha avó, Ruth tinha “doenças de homem” porque trabalhava demais e estava sempre estressada. De qualquer maneira ela teve um infarto aos 52 anos de idade, e depois um derrame aos 54 (do qual ela não se recuperou). Deprimida, se suicidou com apenas 56 anos, em 1972, com um revólver que havia pedido para um primo comprar.
Ao longo da vida, Ruth talvez não tenha encontrado espaço para viver a sua sexualidade, extrapolar a sua inteligência, nem a sua independência e autorrealização.

Joyce Campo Kornbluh

Joyce, minha mãe foi quem substituiu minha bisavó Purezinha como o esteio emocional da família. Mamãe virou a matriarca do meu ramo familiar, a pessoa que todos procuram para resolver problemas e especialmente conselhos depois que Ruth se matou.
Nascida em 1930, a única neta de Lobato (filha de Martha), teve que conviver com a rejeição da mãe.
Muito independente desde criança, sendo a líder da turma da rua, batendo nos meninos, para não apanhar em casa do pai, Joyce foi uma criança super levada, daquelas que subiam em árvores, caíam, se machucavam, mas não reclamavam. Certa vez, foi desafiada por sua melhor amiga para juntas colocarem a mão dentro da jaula de um urso no zoológico da Aclimação. O animal acabou mordendo a mão e quase decepando o dedo da amiga, que foi salvo graças a um anel. Fugiu de casa diversas vezes, apanhou muito, mas teve um convívio intenso com Monteiro Lobato, dormindo junto na mesma cama que ele e Purezinha quando era criança e ouvindo suas histórias.
Além de Lobato foi a primeira da família a fazer faculdade sendo uma das cinco mulheres de sua turma a se formar em Arquitetura no Mackenzie, onde conheceu meu pai Jerzy Kornbluh, judeu polonês não religioso, refugiado de guerra, que tinha chegado ao Brasil aos 11 anos de idade em 1941, escapando, com sua mãe, pai e irmã do Holocausto na Polônia. Se casou com ele aos 28 anos de idade.

Numa família onde todos eram católicos e Lobato não tinha batizado os filhos, casar com um judeu foi um ato de extrema rebeldia, reforçando a independência e a criação lobatiana que Joyce recebera.
Fato é que o casamento trouxe transformações negativas na vida da neta de Lobato. Da menina das histórias de aventuras, viagens e independência, surgiu uma mulher que sofria constantemente com enxaqueca, dor nas costas e depressão. Assumiu a função de mulher de um executivo, resumida a cozinhar, apoiar o marido e fazer tudo para ele progredir na carreira. Mesmo após meu pai se aposentar e passar a ser o representante da família para assuntos de Monteiro Lobato minha mãe não conseguiu se liberar. Somente após a morte do meu pai em 2015 foi que minha mãe passou a me contar sua verdadeira história, seus medos e frustrações. 

Mamãe foi sempre uma mulher à frente do seu tempo, que recebeu uma educação simultaneamente liberal e não convencional por parte de Lobato e de seu pai Jurandyr, mas ao mesmo tempo totalmente conservadora por parte de sua mãe, Martha.

Essa dicotomia interior talvez tenha dificultado muito a vida dela, que sempre se descreveu e se mostrou forte para os outros mas não conseguiu transcender o conservadorismo de sua época, suas contradições internas, nem as expectativas de ser neta de Monteiro Lobato. 

Sem conseguir encontrar sua voz ou sua independência financeira, optou por tentar se encaixar nos padrões de esposa e mãe dedicada, arcando assim com as consequências de um papel que talvez não devesse ser o seu.
Hoje, aos 92 anos, a neta de Lobato vive em Americana, no interior de São Paulo com sua cachorrinha Petit e está orgulhosa do trabalho que eu venho realizando.

Essas são as mulheres que conheceram e que tiveram a experiência única e indescritível de conviver não apenas com o pai da literatura infantil brasileira, mas sobretudo com o homem, o ser humano Monteiro Lobato.
Mulheres que como ele, estavam a frente de seu tempo, pelo modo como viveram suas vidas enfrentando e quebrando tabus, derrubando preconceitos e provocando reflexões sobre temas que poderiam passar despercebidos à época, mas que hoje se mostram atuais e são incansavelmente debatidos.

As mulheres que fizeram parte da vida de Lobato, lidaram com os traumas e as expectativas de serem relacionadas com uma das grandes personalidades do nosso país, além das mudanças sociais que ocorreram durante o século XX.

Todas sofreram, conviveram com seus traumas, algumas conseguiram transcender as limitações do contexto temporal, outras não. Mas sem dúvida todas elas foram corajosas, liberais e simultaneamente, extremamente conservadoras, cheias de contradições e medos.

A primeira vista pode parecer que as mulheres da vida de Lobato viveram em função dele ou à sua sombra. Mas a verdade é que cada uma delas, ao seu tempo, escreveu ao seu modo a sua própria história, com doses enlouquecedoras do DNA lobatiano, e sobretudo com a essência única e desafiadora de ser mulher em um mundo que ainda hoje insiste em seu machismo descabido.

Parabéns a todas as mulheres que ainda ousam sonhar além!

O padrão Global na produção da segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo em 2001

Como na primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo produzida pela Globo, a maior parte das gravações eram feitas num sítio localizado na Ilha de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro. Já as cenas internas eram gravadas nos estúdios da Renato Aragão Produções, em Vargem Grande, também na zona oeste da cidade.

Em 2003, as gravações das cenas externas deixaram de ser realizadas na Ilha de Guaratiba e passaram a ser rodadas em Jacarepaguá, num sítio em Camorim, próximo à Central Globo de Produção, o Projac. A proximidade facilitou o deslocamento da equipe de produção e com a novidade, a casa principal do sítio de Dona Benta foi reformada e ganhou ares de uma fazenda.

Em 2004, foi construída dentro do Projac uma cidade cenográfica com quatro mil metros quadrados, especialmente para as gravações do programa. O espaço incluía a fictícia Arraial dos Tucanos, com um lago repleto de marrecos, uma igreja, o celeiro, a chácara, o estábulo e seus jardins. Na cozinha de Tia Nastácia não faltavam doces em compotas, panelas de bronze nas prateleiras, coador de café de pano, fogão a lenha e cortininha de renda na janela. A ideia, de acordo com a cenógrafa Giana Lannes, era facilitar as gravações e reproduzir as cidades do vale do Paraiba, onde Monteiro Lobato nasceu.


FIGURINO E CARACTERIZAÇÃO

Um dos maiores desafios dessa nova temporada foi sem dúvida a caracterização da Cuca. Nos anos anteriores, a personagem usava uma fantasia de jacaré, mas em 2007, o seu visual foi elaborado por meio de maquiagem e figurino, numa tentativa de afastar a personagem de uma atmosfera de teatro infantil, e a deixando mais próxima da estética televisiva.

A Cuca continuou com a característica textura de jacaré, mas ganhou ares de bruxa. Os dentes e as unhas de crocodilo usadas pela personagem foram feitos sob medida para a atriz Solange Couto pela equipe de efeitos especiais, formada por Ricardo Menezes, Glauco César e Cláudio Sampaio.

Outros personagens que também receberam uma atenção especial em relação a modernização de suas caracterizações, foram o Marquês de Rabicó e o Visconde de Sabugosa. Rabicó ganhou nariz e orelhas de látex, especialmente feitas para o ator Ricardo Tostes.

Já a caracterização do Visconde de Sabugosa passou por algumas experimentações antes de se chegar ao resultado final. A princípio, foi produzida uma máscara de mousse de látex que, que embora tenha agradado à direção, era muito incômoda para o ator. Finalmente, a equipe decidiu usar no ator uma peruca vermelha, e fazer a maquiagem usando air brush, que projetava o desenho dos milhos no rosto, sem a necessidade de uma prótese.

Emília foi outra que também teve o visual modernizado: no lugar das cores vermelho e amarelo, diferentes tons de rosa passaram a predominar no vestido da boneca. Sua maquiagem ganhou um tom de bege para fugir da impressão de porcelana, e os cílios foram alongados, dando um ar mais angelical à personagem. Além disso, o seu cabelo, que antes era de pano, agora era feito de lã.

CENOGRAFIA E ARTE
Para criar os novos cenários do Sítio – a chácara de Dona Benta, o Arraial dos Tucanos, a Pensão Cervantes, a venda do Seu Elias, o laboratório do Visconde, a gruta da Cuca e a gruta da Iara -, as equipes buscaram referências nos textos de Monteiro Lobato, que costumava fazer descrições detalhadas dos cenários onde a ação se desenvolvia.

De acordo com o cenógrafo Raul Travassos, a primeira versão do infantil exibida em 1977, também serviu de inspiração para a equipe e o trabalho desenvolvido foi uma homenagem ao cenógrafo e figurinista Arlindo Rodrigues, responsável pela criação dos cenários da primeira versão Global.

Durante os dois primeiros anos dessa segunda versão do programa, foram usados efeitos especiais para que o Visconde de Sabugosa parecesse ter o tamanho de um sabugo de milho. Em 2003, Visconde come uma pitada de fermento e fica do tamanho de uma pessoa normal, deixando o efeito especial de lado.

Na temporada de 2007, destaque para os efeitos visuais utilizados nas sequências em que o Burro Falante conversava com os personagens do Sítio. As cenas foram gravadas com o animal em um fundo de cromaqui e em seguida, usando recursos de computação gráfica, foi inserida na imagem uma boca em 3D, que fazia os movimentos como se o burro estivesse realmente falando.

Para as cenas em que a dupla de besouros Casca e Cascudo (Páblio Sanábio) conversava com Emília, o ator também gravava num fundo de cromaqui e, com a ajuda da computação gráfica, foram inseridas as asinhas dos insetos e os efeitos de voo. Em seguida, a imagem foi reduzida às proporções dos besouros e encaixada na cena.

Outra curiosidade era a animação das ilustrações antigas nas cenas em que Dona Benta contava uma história. Os desenhos eram baseados nos traços dos livros de Monteiro Lobato.