Quando queremos morar em um abraço

Maio 08, 2021 – Por: Gisele de Luna

Creio que um abraço nunca fez tanta, mas tanta falta como nestes últimos tempos, a ponto de se querer morar nele. É muito abraço acumulado esperando a hora de abraçar, eu sei. É doído não poder abraçar, ainda mais quando há tanta perda, privação e sofrimento no mundo. E aprender a lidar com isso, para uns é mais fácil e para outros nem tanto.

Ilustração de Rafael Sam, cedida por Cleo Monteiro Lobato

Estudos mostram que os abraços têm poderes maravilhosamente incríveis, como desacelerar os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea, além de diminuir potencialmente o risco de doenças do coração. Tudo isso acontece pelo simples fato da pele possuir uma rede de centros de pressão que ficam em contato direto com o cérebro por intermédio de nervos ligados a vários órgãos, dentre eles o coração.

“Gosto de abraço que me embrulha me enlaça e me faz presente.”
Abraçar é uma das maneiras mais simples de liberar o hormônio do amor e da felicidade, sim, oxitocina. Um abraço de verdade tem inúmeros benefícios para o corpo e para a mente.
O abraço é tremendamente importante, na infância traz sensação de proteção que se mantém na vida adulta. Então, é certo que um abraço cheio de carinho tem a capacidade de transmitir acolhimento, aceitação e amor, remete ao aconchego e proteção de mãe, certamente a primeira demonstração de tudo isso que é recebido na vida.
“Tem coisas que só um abraço de mãe é capaz de curar.”
A ausência dos abraços, ou do afeto faz com que as crianças venham a se tornar adultos com insegurança, mais agressivos, e ainda com dificuldades reais de relacionamento. Isso se dá por não terem a referência deste afeto, e inconscientemente buscam meios de se proteger, por não saber lidar com questões ligadas a afetividade. Mas, com muito acolhimento, é possível mudar esta realidade, e o indivíduo se reprogramar para o mundo.

Ilustração de Rafael Sam, cedida por Cleo Monteiro Lobato

Ninguém duvida do poder do abraço. Se o abraço faz tão bem para a saúde, se ativa o corpo todo, ou previne doenças, diminui a ansiedade, regula o estresse, ele é capaz de curar o mundo sim.
A psicoterapeuta norte-americana Virginia Satir disse:
“É preciso 4 abraços por dia para viver, oito abraços por dia para nos manter saudáveis, e 12 abraços por dia para crescer e se desenvolver.”

Então, quantos abraços você já deu hoje? E, quantos abraços você pretende dar amanhã?

É uma explosão de carinho, um gesto saudável, bom para você, ao próximo e ao mundo. Seria maravilhoso indicar a terapia do abraço, mesmo não sendo recomendado a terceiros neste período, devido ao distanciamento social, você pode se abraçar muito, abraçar o travesseiro, a boneca, a natureza – aquelas árvores grandes, como também aqueles que convivem com você.

Ah, marque em sua agenda, dia 22 de maio é Dia do abraço. Esta data teria surgido a partir da iniciativa do australiano Juan Mann que criou a campanha Free Hugs Campaign, em 2004, com o simples objetivo de distribuir abraços "gratuitos" pelas ruas de Sydney. Enquanto não houver a possibilidade de abraçar pessoalmente quem mais ama, você pode enviar mensagens virtuais, elas ajudam a encurtar as distâncias, e são cheias de sentimentos para compartilhar ainda mais abraços neste dia.

Lembre-se, agora que você sabe o quanto abraçar é positivo e terapêutico, quando tudo voltar ao normal, e existir a oportunidade de abraçar alguém, aproveite! Faz bem para você e para o outro, além de ser um ato gratuito e recíproco, um verdadeiro encontro de almas e corações.

Use e abuse do abraço. Não há contra indicações. É isso aí!

Gisele de Luna, psicóloga, crp 06/52233, cerimonialista, recreadora educativa, mãe típica e atípica, ativista em prol da inclusão e acessibilidade. Especialista em Educação Especial com ênfase em Deficiência Fisica, Psicomotora e Intelectual.

A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto

Dois grandes nomes da Literatura brasileira e dois universos distintos. É fato que Monteiro Lobato e Lima Barreto traçaram suas carreiras em contextos diferentes. No entanto, nosso autor de Taubaté e o escritor carioca, filho de ex-escravos, trocavam figurinhas e se elogiavam.

Apesar de a comunicação ter criado caminhos para uma série de interpretações sobre a relação entre os dois (já que os Correios desviaram diversas correspondências de um para o outro), por muitos anos, eles trocaram cartas, sempre cordiais e recheados de elogios à capacidade crítica e literária de cada um como escritor.

Alguns documentos refletem esta realidade, como as cartas que eles escreviam um ao outro entre 1918 e 1922. Edgard Cavalheiro, um dos biógrafos mais conhecidos de Lobato, por exemplo, lançou o livro “A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto” e em 1956, a obra “Correspondência”, de Lima Barreto, editada por Francisco de Assis, já trazia também uma série de informações sobre a relação entre os dois. Um destes registros é um artigo que Lobato escreveu em sua Revista do Brasil, em que ele chama Lima Barreto de “criador de uma nova fórmula de romance: o romance de crítica social sem doutrinarismo dogmático”.

O autor teria afirmado que desejava “ardentemente vê-lo entre seus colaboradores”. Depois disso, Lima Barreto se tornou colunista do impresso de Lobato e editou seu romance “Vida e Morte de M. K. Gonzaga” junto à empresa do autor. Posteriormente, Lobato também editou outras obras do escritor carioca, como a segunda edição de “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”.

Em seu artigo para o Homo Literatus, o historiador cultural Joachin Azevedo revelou que outras cartas reunidas por Francisco de Assis Barbosa, biógrafo de Lima Barreto, comprovam que o médico Gastão Cruls confirmou que Monteiro Lobato realmente procurou Barreto no Rio de Janeiro, mas devido à embriaguez do escritor, Lobato não teria tido coragem de se apresentar a quem ele considerava o maior dos romancistas brasileiros. Azevedo constata, então, que Lobato admirava o escritor Lima Barreto, mas não soube aceitar o homem Lima Barreto.

Outros registros do acervo disponível em nosso site revelam que Lobato chegou a enviar cartas oferecendo ajuda financeira para Lima Barreto, pouco antes de ele ser internado e morrer.

A atitude de Lobato é mais uma evidência de que Lobato valorizava o respeito e o talento ao amigo de cartas, que é um grande exemplo.

O idolatrado racismo de Monteiro Lobato

Autor: Dra. Vanete Santana-Dezmann

Chegamos ao século XXI com vontade de renovar o mundo e quebrar as velhas estruturas. “Abaixo o preconceito” é o novo e bem-vindo lema. O que muitos que seguram esta bandeira parecem ignorar, porém, é que não se constrói um novo mundo do nada e que a cultura não se encontra fora de nós. Assim, alguns dos mesmos que se proclamam defensores dos historicamente oprimidos – mulheres e negros –, posicionando-se contra a misoginia e o racismo, ovacionam Martinho da Vila, cantando em coro “Ô nêga, vá trocar esse batom, porque assim não estás em bom tom. Combina com o esmalte da unha, mas esse vermelho encarnado esconde as virtudes que tens. Também está excessivo o perfume. Juro, não é só ciúme. Me orgulho de te verem bem. Não fala muito quem sabe falar. Não compra tudo quem sabe comprar. Não bebe muito quem sabe beber. Não come de tudo quem sabe comer. Mas ama muito quem tem só um amor. E tu és a minha única flor. Vai, nêga!”.

Em outras palavras: “então, negra, não é porque você é capaz de falar, comprar, beber e comer, que você vai fazer o que quer. Não vai sair de batom vermelho e perfume simplesmente porque você é minha propriedade e eu,  acho alfa forte e seguro, não quero”. Paradoxal e contraditoriamente, muitos que continuam cultuando este e outros sambas dos anos 70, com suas letras misóginas e – será que não? – racistas, decidiram cancelar Monteiro Lobato a todo custo. Basta explicar que Lobato usou para se referir aos negros do início do século XX o jargão corrente à época (e os motivos por que o fez), e comprovar que, no conteúdo, eleva as personagens da etnia negra à mesma posição que ocupam as de etnia branca? Não, não basta!

Basta explicar que, se Lobato se dirigisse a um público leitor negro, usaria outros termos? Senão por não ser racista, ao menos por tino comercial? Não, não basta! Basta explicar que não havia público leitor negro no início do século XX e que isso não era consequência da literatura que então se praticava, mas, sim, das características sociais e econômicas da época? Não, não basta! Basta explicar que O Presidente Negro é um livro de ficção científica e que as
falas das personagens de um livro não reproduzem o pensamento do autor do livro, até porque há diferentes personagens, com diferentes pontos de vista, e que, se as falas das personagens reproduzissem o pensamento do autor, todo escritor seria esquizofrênico? Não, não basta!

Basta explicar que Lobato ficou “P da vida” quando editores nos EUA não compreenderam o livro O Presidente Negro e desabafou, em tom irônico e escrachado, sua marca registrada, que lá chegou tarde demais; que se tivesse chegado antes, quando o Ku Klux Klan assolava o país, seu livro teria sido publicado? Afinal, ele escreveu um livro contra o racismo que foi tomado como sendo racista. Então, se era para ser assim, que o livro tivesse sido apresentado aos verdadeiros racistas, que, pelo motivo errado, teriam-no publicado. Não, não basta!

Basta explicar que não se analisam pedaços descontextualizados de falas e textos, como se tem feito no caso de Lobato, pinçando a dedo trechos de suas cartas e obra com o exclusivo interesse de comprovar um veredito previamente proclamado, quando o certo é a análise preceder o veredito? Não, não basta! Basta explicar que Lobato foi reivindicado por comunistas, integralistas e eugenistas, embora não seja possível provar que ele tenha sido comunista ou integralista ou eugenista e que, como todo ser humano de carne e osso, como você e eu, Lobato, à medida que conhecia melhor as coisas – lendo sobre elas, frequentando reuniões sobre elas, conversando com quem as apresentava –, mudou de opinião sobre muitas coisas ao longo da vida? Não, não basta! E por que não basta?! Porque, na era do twitter, ninguém se dá ao trabalho de ler mais do que 280 caracteres. Porque, na era do politicamente correto, qualquer ocupante de algum “lugar de fala” pode falar e escrever o que quiser, pode até, simbolicamente, enforcar Lobato pendurado em uma árvore, como faziam os condenáveis membros do clã, enquanto dançam e cantam “Ô nêga, vá trocar esse batom!”. Pois é… a cultura não se encontra fora de nós… E é mais fácil ver um grão de pólen no olho alheio do que um cabresto bem posto.

Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora. É responsável pelas Jornadas Monteiro Lobato USP-JGU, juntamente com John Milton. Tem pós-doutorado em Estudos da Tradução (USP), com estágio de pesquisa no Goethe-Museum de Düsseldorf; doutorado em Teorias de Tradução (UNICAMP), com estágio de pesquisa na Universidade Livre de Berlim, e mestrado na mesma área (UNICAMP). Graduou-se em Letras (UNICAMP).

 

O retrato falado do “racismo na obra infantil de Lobato” – Vanete Santana-Dezmann. https://vanetesantanadezmann.blogspot.com/2021/01/o-retrato-falado-do-racismo-na-obra.html

Emília, a cidadã-modelo soviética: Como a obra infantil de Monteiro Lobato foi traduzida na URSS. – Marina Darmaros e John Milton: https://www.researchgate.net/publication/334594154_Emilia_a_cidada-modelo_sovietica_Como_a_obra_infantil_de_Monteiro_Lobato_foi_traduzida_na_URSS

Beloved, Amistad e Negrinha… libelos contra o racismo – Vanete Santana-Dezmann: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/dilemas-contemporaneos/beloved-amistad-e-negrinha-
libelos-contra-o-racismo/

LOBATO POR LOBATO – A PEDIDO DE UM AMIGO, MONTEIRO LOBATO FORNECEU AS SEGUINTES NOTAS BIOGRÁFICAS – Furacão na BOTOCÚNDIA)

“Nasceu em Taubaté, aos 18 de abril de…1884(na verdade 1882). Mamou até 87. Falou tarde, e ouviu pela primeira vez aos 5 anos, um célebre ditado: “Cavalo pangaré/Mulher que.. em pé /Gente de Taubaté/Dominus libera mé”. Concordou. Depois, teve caxumba aos 9 anos. Sarampo aos 10. Tosse comprida aos 11.

Primeiras espinhas aos 15. Gostava de livros. Leu o Carlos Magno e os doze pares de França, o Robinson Crusoé, e todo o Júlio Verne. Metido em colégio, foi um aluno nem bom nem mau – apagado.

Tomou bomba em exame de português, dada pelo Freire. Foi promotor em Areias, mas não promoveu coisa nenhuma. Não tinha jeito para a chicana e abandonou o anel de rubi(que nunca usou no dede, aliás).

Fez-se fazendeiro. Gramou café a 4.200 a arroba e feijão a 4000 o alqueire. Convenceu-se a tempo que isso de ser produtor é sinônimo de ser imbecil e mudou de classe. Passou ao paraíso dos intermediários.

Fez-se negociante, matriculadíssimo. Começou editando a si próprio e acabou editando aos outros. Escreveu umas tantas lorotas que se vendem – Urupês, gênero de grande saída, Cidades mortas, Idéias de Jeca Tatu, subprodutos, Problema vital, Negrinha, Narizinho.

Pretende publicar ainda um romance sensacional que começa por tiro: Pum! E o infame cai redondamente morto… Nesse romance introduzirá uma novidade de grande alcance, qual seja, a de suprimir todos os pedaços que o leitor pula. Particularidades: não faz nem entende de versos, nem tentou o raid a Buenas Aires. Físico: Lindo!”

A Novela Semanal, São Paulo n. 1, 2 maio de 1921

MONTEIRO LOBATO – UM BRASILIERO SOB MEDIDA ESCRITO POR MARISA LAJOLO – CAPÍTULO 1

Por: MARISA LAJOLO

Na Noite de 18 de abril de 1882 nasce em Taubaté o primogênito do proprietário das fazendas Paraíso e Santa Maria. O recém-nascido é o primeiro filho de José Bento Marcondes Lobato e de Dona Olímpia Augusta Monteiro Lobato.

Neto pelo lado materno de José Francisco Monteiro, visconde de Tremembé, o menino recebe na pia de batismal o nome de José Renata. A família o trata de Juca e Juca será para eles pela vida afora, mesmo depois que, por volta dos onze anos, decide mudar de nome: prefere José Bento, cujas iniciais coincidem com as letras encastoadas em ouro numa bengala de seu pai Juca cobiça a bengala, naquele momento tempo complemento indispensável à elegância masculina.

A situação é emblemática da força de vontade, do senso prática e da garra do menino que viria a ser o famoso escritor Monteiro Lobato.
No aconchego doméstico, decorre a infância comum de menino medianamente abastado do interior paulista, no fim do século. Vive com os pais e as irmãs menores, Teca, Judite, na fazenda Santa Maria em Ribeirão das Almas, nos arredores de Taubaté.

Entremeia a vida na roça com temporadas longas na casa que os pais mantinham na cidade e com visitas demoradas à casa do avô visconde, no meio da de uma chácara. Como todos os meninos de sua classe social, Juca tem um pajem que o acompanha nas brincadeiras.

Com as irmãs Teca e Judite faz bonecos e bichos de chuchu e tem muito medo de assombração. Sua infância é cheia de pescarias no ribeirão, de banhos de cachoeira, de tiros com sua espingardinha marca Flaubert, de passeios em seu cavalo Piquira.

Ao tempo dos calças curtas, trepa em árvores, chupa fruta no pé, aprende a gostar de circo, de pamonha, de içá torrada e de pinhão. Nas visitas à casa do avô – conta mais tarde – fascina-o a biblioteca: os livros, em particular os ilustrados, seduzem-no ainda mais do que a figura do imperador Pedro II, que conhece como hóspede do avô numa das últimas viagens imperiais a São Paulo.

Compensando a rigidez das relações afetivas com pai austero, Juca tem imensa ternura pela avó materna, a humilde professora Anacleta Augusta do Amor Divino, em tudo diferente da viscondessa legítima. Esta, a senhora Maria Belmira França, com quem o visconde se casará depois de ter tido dois filhos com Anacleta, será para sempre a visconda, na voz desdenhosa de Juca.

A dureza da forma de tratamento assinala a precoce compreensão de todo o preconceito que nascimentos ilegítimos e relações extraconjugais despertavam no século passado, tempo de convenções sociais bastante rígidas: a querida avó Anacleta morava em casinha bem menor e mais distante do que a casa da visconda…. As primeiras lições do menino Juca são em casa, com dona Olímpia, que o ensina a ler, escrever e contar.

Depois disso, como era uso no tempo, um professor particular – Joviano Barbosa – encarrega-se de sua educação. É só mais tarde que Juca frequenta as raras e efêmeras escolas particulares de Taubaté: o colégio do professor Kennedy, depois o Colégio Americano( escola mista dirigida por Miss Stafford, educadora irlandesa), depois o Colégio Paulista.

Nesse último, foi aluno do professor Mostardeiro, mestre que volta a procurar mais tarde, depois de formado, para com eles discutir as novas filosofias que tanto o fascinavam em São Paulo: Mostardeiro era positivista, o que era vanguarda para a época e o diferenciava na intelectualidade da pacata Taubaté. Juca frequenta, finalmente, o Colégio São João Evangelista. Ali, o diretor é o professor Antônio Quirino de Souza e Castro, que anos depois desempenha importante papel na história de Monteiro Lobato, pois é na casa do antigo mestre que o ex-aluno se aproxima da mulher será sua companheira de toda a vida, a neta do Velho Quirino.

Mas ainda não é tempo de amores. O tempo é de escolas, e com São João Evangelista aparece encerrada a vida escolar de Juca em colégios do interior paulista. O rumo é São Paulo. O Século XIX está chegando ao fim, e as malas de Juca estão prontas, com destino ao Instituto Ciências e Letras da capital, onde vai estudar as matérias necessárias ao ingresso no curso de Direito.

Chega à Paulicéia nada desvairada de 1895, mas é reprovado em Português e tem de arrepiar caminho: volta para Taubaté e para o Colégio Paulista. E é lá que que estreia em letra impressa como colaborador de O Guarany, improvisado jornalzinho estudantil.

O menino, Juca para a família, começa a ser para os leitores do jornaleco Josbem e Nhô Dito, pseudônimos, com que assina suas primeiras colocações: uma crítica a Enciclopédia do Riso de da Galhofa( espécie de almanaque, extremantes popular) e uma crônica dos acontecimentos diários da escola.

Hoje é dia de “falar a nossa língua”

Falar uma língua não é apenas comunicar-se com um outro indivíduo. Falar uma língua é também consumir sua história, cultura e, sem dúvida alguma, sua Literatura.

Oficial em pelo menos nove países, a língua portuguesa tem seu dia celebrado na data de hoje desde 2009. A comemoração foi criada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) , organização parceira da UNESCO, para celebrar a língua e suas respectivas culturas, como a literatura brasileira de Monteiro Lobato, importante herança de nossa língua que com seu apoio, conseguimos manter dia após dia através dos livros, histórias e registros.

São quase 300 milhões de falantes em todo o mundo, com forte extensão geográfica e riqueza cultural. Graças a esse multilingüismo, é que encontramos hoje uma diversidade cultural e promovemos, juntos, uma comunicação internacional.

Viva a Língua Portuguesa! Hoje é dia de “falar a nossa língua”!

Monteiro Lobato na cabeça

Por: João Luís Ceccantini

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (a mais ampla que se faz sobre o assunto no país), grande parte dos leitores brasileiros aponta Monteiro Lobato como seu escritor mais admirado ou aquele de que mais gosta.E por que essa escolha? Alguns diriam, de pronto: “porque se trata de um clássico”. Certamente, Lobato se tornou um “clássico”, mas colar, hoje, essa etiqueta ao autor, ainda que dê ideia do prestígio de que sua obra usufrui nos mais variados círculos de leitores – dos leigos aos especializados – oferece o risco, talvez, de percebê-la por uma perspectiva simplista. Se, de um lado, fortalece a ideia pertinente de que a literatura de Lobato influencia, de forma marcante, os autores que o sucedem e de que integra um patrimônio cultural que efetivamente vale a pena conservar e transmitir de geração a geração, de outro, pode transformá-la apenas em um conteúdo a mais entre outros, a ser “transmitido” a todo custo aos alunos.E nada trairia mais o espírito da literatura de Lobato do que abordá-la desse modo. O escritor, como poucos, sempre defendeu com muita convicção a liberdade do leitor, seu direito de gostar ou não gostar deste ou daquele livro e mesmo de rejeitar um autor que considerasse maçante ou tolo, ainda que se tratando de um medalhão das letras.*Professor de Literatura Brasileira da UNESP/ FCL Assis.Se a literatura de Lobato tem resistido bravamente ao tempo é porque conta com um pelotão de “leitores-mediadores” que a defendem e a promovem com garra. Leram Lobato geralmente na infância ou na juventude, e ficaram encantados pela literatura do escritor. Vivenciaram uma experiência de leitura impregnada de afetividade que deixou fortes marcas na memória, tornando-os profundamente convencidos de que vale a pena ler a obra desse autor original – e assim, querendo muito compartilhá-la com outros leitores.

Avós, pais, irmãos, primos, tios, amigos, bibliotecários, escritores, artistas e, claro, professores têm se empenhado em levar as novas gerações a conhecer a obra de Lobato. Isso é o que, acima de tudo, a tem mantido viva nos corações e mentes de leitores de sucessivas épocas.Esses “leitores-mediadores” fazem isso porque, na essência, se tornaram leitores apaixonados pela obra do escritor, encontrando nas páginas de Lobato um universo dos mais ricos, capaz de incendiar a imaginação, de provocar o riso, de alimentar o intelecto, de despertar o senso crítico, de multiplicar sentidos. Isso, para dizer o mínimo.No vigoroso projeto literário do escritor, um dos principais tópicos que têm sido destacados é a revolução realizada no que diz respeito à representação da infância. Até Lobato, as crianças eram representadas na literatura infantil brasileira, de um modo geral, de forma bastante artificial, com a finalidade primeira de promover modelos de educação, de “bom comportamento”, de valores morais etc. Em realidade, as personagens infantis antes dele, com raras exceções, constituíam um pretexto para promover valores adultos numa literatura de cunho edificante, não permitindo maior identificação dos leitores infantis com o texto que era a eles destinado. Lobato rompe radicalmente com os padrões, estereótipos e clichês associados a essa “literatura embolorada” e tira de cena as crianças modelares, submissas aos adultos e deles dependentes. Apresenta-nos a boneca-moleca, Emília, definida por si mesma como a “Independência ou Morte”, assim como dá vida aos destemidos aventureiros Narizinho e Pedrinho.

São personagens flagradas em imensa liberdade, distantes que estão de pais e mães, porque é sempre tempo de férias num sítio, em que os adultos presentes – Dona Benta e Tia Nastácia – não assumem a sisuda máscara da autoridade repressora.Outro aspecto fundamental na obra de Lobato é o modo especial como o autor lidou em suas narrativas com o trânsito que as personagens fazem entre a realidade e a imaginação. À medida que o escritor foi desenvolvendo sua obra, cada vez com maior ousadia, foi dissolvendo quaisquer fronteiras entre o real e o imaginário, permitindo aos integrantes do Sítio do Picapau Amarelo a ruptura radical com as coordenadas espaciais e temporais, bem como com as surradas convenções da literatura dita “realista”.Nessa obra de alta carga imaginativa, lógicas paralelas são construídas no mundo da fantasia pelo qual circulam as personagens do Sítio, o que lhes confere (e ao leitor) uma carga de liberdade como até então não se tinha visto na literatura infantil brasileira. Lobato constrói, assim, uma obra vibrante, em que o recurso ao pó de pirlimpimpim ou ao “faz de conta” propiciam uma experiência única à “turma do Sítio”.

É importante frisar, entretanto, que em Lobato a fantasia não é sinônimo de alienação; ao contrário, cria tensões fecundas com a realidade, que, em geral, propiciam uma visão original e crítica do meio. Aliás, as narrativas de Lobato estão sempre empenhadas em valorizar a emancipação, a curiosidade e a autonomia das crianças tanto frente aos adultos quanto às instituições sociais e às convenções, colocando a realidade prosaica continuamente em xeque. Sua literatura é feita de representações que rejeitam as soluções simplórias, o maniqueísmo e as ideologias, promovendo antes o questionamento contínuo de valores, a reflexão e, por vezes, até mesmo uma postura iconoclasta.Enfim, no conjunto, o universo literário inventado por Lobato constitui um irresistível convite à leitura para pessoas de todas as idades. Esses leitores, por sua vez, convertem-se em potenciais mediadores para novos leitores, instaurando um movimento contínuo, como poucas vezes se tem visto na cultura nacional. Tal fenômeno, pelo que os dados indicam, não tem permitido que o leitor brasileiro de sucessivas gerações tire Lobato da cabeça. O que, diga-se de passagem, é ótimo! Que assim se faça por muito tempo…