LIVRO DE MONTEIRO LOBATO GANHA VERSÃO SEM EXPRESSÕES CONSIDERADAS RACISTAS
AUTOR: JULIO BOLL
DATA ORIGINAL: 07 DE DEZEMBRO DE 2020
FONTE: GZH
Logo na primeira página de A Menina do Narizinho Arrebitado, em sua edição de 1920, Monteiro Lobato (1882-1948) descreve Tia Nastácia como uma "negra de estimação". Um século depois, essa adjetivação ficou para trás. Na semana passada, o livro ganhou uma nova versão como Narizinho Arrebitado: Reinações de Narizinho – Livro 1 (Underline Publishing, 35 páginas, R$ 34,99), organizada por Cleo Monteiro Lobato, bisneta do escritor, que modificou termos considerados racistas por estudiosos. Agora, a personagem é descrita apenas como "a amiga de infância de Dona Benta".
— O amor e o respeito, valores tão presentes neste e em outros livros do meu bisavô, somem com aquelas descrições antigas. Arrepia. Pessoas disseram que não tem nem condições de ler para os netos. Foi aí que começamos a mexer na obra para que a gente possa fazer as contações das histórias — explica Cleo, em entrevista a GZH.
Além de outras adaptações, o livro ganhou ilustrações de Rafael Sam que, em trabalho conjunto com Cleo, trouxe novas cores e novos desenhos para os personagens. A boneca de pano Emília, por exemplo, ganhou trancinhas mais coloridas (chegando a ter tons de roxo), e Tia Nastácia agora tem um turbante — tudo com a intenção de promover uma maior diversidade nas figuras eternizadas por gerações.
Lançamentos
Esse processo de readaptação da narrativa ganhou força a partir de 2015, após a morte do pai de Cleo, o judeu polonês Jerzy Kornbluh, que era casado com Joyce Campos, neta de Lobato. Historiadora e morando nos Estados Unidos há mais de 20 anos, Cleo viu os textos do bisavô ganharem domínio público e, com isso, veio a preocupação de registrar esse legado. Primeiro, ela produziu um site temático em que narra toda a construção das obras, descreve personagens e traz outras curiosidades. Além disso, críticas e pedidos de pais nas redes sociais, que ficavam incomodados em ler Lobato nas cabeceiras das camas dos filhos, tomaram força.
— Através de relatos de familiares, posso afirmar e reafirmar que ele não era racista. Ele sempre respeitou todos, independentemente de sua cor. O "problema" é que ele sempre foi muito questionador e nos ensinava a pensar, o que nem sempre foi bem visto — reitera Cleo.
Sobre o atual contexto social, a bisneta acredita que o escritor empregava seus valores a favor da sociedade. É isso que a motiva a promover as mudanças nas obras do antepassado.
— Acredito que o meu bisavô ia continuar contra as queimadas, o aquecimento global e falando contra todo governo autoritário e populista. Ele estaria nessa linha de frente, porque tudo isso sempre esteve ali em seus textos — finaliza Cleo.
Além do relançamento brasileiro, Narizinho Arrebitado ganha uma versão em inglês. No ano que vem, segundo Cleo, será a vez de O Sítio do Picapau Amarelo e O Casamento de Narizinho serem repaginados, nos dois idiomas e também com desenhos de Rafael Sam.